sexta-feira, setembro 29, 2017

REPUBLICANO, LAICO E COMUNISTA..,



Republicano, Laico e... Comunista, como certamente não passa desapercebido aos mais atentos/as, o meu voto não oscila  - é quase tão "cativo" como a liberdade dos meus poemas... 

Voto na CDU! Sempre!...

E o meu voto na CDU é com redobrado entusiasmo, quando nos olhos dos candidatos  leio Firmeza, Lealdade e Carácter ...


Apoio BERNARDINO SOARES!

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segunda-feira, setembro 25, 2017

Como se Fora e Não Fora...


Desfolho a pétala
Que o vaivém da onda
Nega como se fora
E não fora...

Sorvo o vento
No búzio do tempo
Glória sem eco
Que me devora...

Alinho ternura
No arco sem volta
De qualquer procura...

Denso perfume
Que se acende em lume
Na ilusão de ser…

Ausência rola
Como se mágoa fora
Fingindo não ser...


Manuel Veiga
“Poemas Cativos” – Poética Edições
Maio 2014


Soberba Construçâo dos Corpos


Soberba a construção dos corpos
Contra a noite.

Sofreguidão de bocas nuas
Abecedário de gestos puros
E palavras em chamas.

Eternos, o tempo e o modo
E colapso de todas as memórias
Apenas a música dos poros

E todas as coisas
Se calam.

Manuel Veiga

sexta-feira, setembro 22, 2017

ÁGUAS VIVAS...


Ardem os dedos. E os olhos
Descem as pálpebras num mergulho
De íntimas cascatas.

Sou este rio e este eco. Sons difusos
Que as margens recolhem em cantochão
De águas vivas.

E sou a superfície do lago
Fio-de-prumo entre a montanha
E o sol fagueiro.

Manuel Veiga

"Caligrafia Íntima” - POÉTICA Edições
Lisboa 2017



quinta-feira, setembro 21, 2017

EXCESSO DE MARESIA


Crepúsculo em álgicas quedas de água
Que estas margens têm excesso
De maresia. Entre a dor
E a mágoa…

Ponto em que a noite se esvai em brisa
E cobre o espaço. E funde o negro abraço
No manto enluarado
Do silêncio...

São estes crepúsculos audíveis
Como adeus aos lugares
Onde desejamos estar…

São arco-íris escondido pela bruma
Talvez um sopro. Vibração que se esfuma
Como leve aceno lançado
Ao mar…

Ou talvez a penumbra que reluz
Como nova urgência que se empunha
Ou grito de renúncia
Quebrando o ar...


Manuel Veiga




terça-feira, setembro 19, 2017

Colhe o Poeta a Cor do Sonho ...






Colhe o poeta a cor do sonho na paleta
Com as nuvens sobe a esfera onírica porém presa
E na nesga rasgada sem saber se sai ou entra
O mar ao longe...

Advinham-se corpos irreais em transparência
Reclinados sobre colchas sem memória
Como sombras pressentidas na luz imensa
Que o dia clama...

Talvez crianças caprichosas ou velhos faunos
Desfaçam a cortina ou a subtil brisa nos descubra
Desnudados sem culpa ou sem remorsos
Bárbaros e puros...

Talvez deste lado da paisagem onde beijos correm
Como ondas e os dedos do poeta se deslassam
O azul capriche no tempo breve e em suave tarde
Apenas os corpos reinem...


Manuel Veiga

domingo, setembro 17, 2017

SERENAS VÃO AS BARCAS ...


Correm límpidas as águas e leve brisa
Se anuncia nos ramos dos salgueiros.
Deslassemos os dedos, Lydia, e soltemos velas
Que serenas vão as barcas!...

De rosas coroemos a fronte
E o cais de pétalas e lírios.

Sopremos, Lydia, as barcas.
E arrostemos, sem mágoa, o destino.
Pagãos e puros.

Evoquemos os deuses. E partamos, Lydia.
Abraçados. Que serenas vão as barcas
E as águas cristalinas.

Para trás ficam despojos. E o tabuleiro tombado
E os dados. E o viciado jogo. E o tributo pago.
Cativos, fomos! Que assim, Lydia,
O quiseram os fados.

Nunca escravos.
Que poder algum reconhecemos.
Apenas o capricho dos céus e os ventos
Que nos guiam…

Provámos insidiosos frutos. E seus enganos.
E os venenos. E em sua perfídia nos jogámos.
Inteiros. E perdemos. E tudo pagámos.
Que nada devemos
Nem tememos.

Louvemos, Lydia, os deuses
Que nos quiseram lúcidos.

Mergulhemos nas cristalinas águas
E partámos, Lydia. De corpos perfumados
Amemo-nos!

Antes que a noite aconteça
E as Parcas venham…

Serenas vão as barcas
E as águas cristalinas.

Manuel Veiga

Nota: Lydia é uma criação literária de Ricardo dos Reis






sexta-feira, setembro 15, 2017

RIBEIRAS EM FLOR...


Estende-se a tarde em avental de luz coada.
E no ar, trazido pela brisa, o perfume de erva-doce
Colhida entre orvalhos e o gosto macio
De lenções amarrotados. Marcas
Indeléveis da explosão dos corpos
Ao arrepio das horas soletradas
Em contramão dos dias.

Estende-se agora a tarde como águas
Inundando as margens. Aluvião a fecundar
Desertos e sedes antigas. Que os dias se contam
Por horas. E são esparsas as marés
No alvoroço das nascentes
Em seu borbulhar festivo.

Derrama-se a tarde em cântico de matinas
E colho essa sinfónica ternura despojada. E todos os timbres.
E todos os afluentes e o murmúrio
Das cascatas dentro da memória
A declinar em madura espera

Percurso das barcas tresmalhadas
E ribeiras em flor. A arderem
Em delírio dos sentidos.


Manuel Veiga



quarta-feira, setembro 13, 2017

VESTE-SE O OUTONO DE MOSTOS


Veste-se o Outono de mostos e fermentam
Sabores na glória dos frutos que as bocas
Sequestram. Tão macios
Que se desprendem
Em promessas
Atordoadas

E permanecem no mel colhido
E nas línguas. Suculentas...

Impúberes os sonhos. Ainda.
Que humedecem os olhos
De tão claros.

Azul na vertigem. E no alvoroço
Cinzento na hora da chegada
Como restolho depois do dia
Ou despojos. Diurnos.
Antes da noite
E do frio...

De nada vale o doirado das vinhas
Nem a plangência do sol
Nem o vigor íngreme
Dos passos.

Nem a vindima.
Nem os cestos...

Outono é esta memória cálida
Fogueira onde soletro meu corpo aceso
Dulcíssima flama em que me embalo...


Manuel Veiga





terça-feira, setembro 12, 2017

FRAGMENTOS XLVIII


À hora certa, o helicóptero da Força Área, trazendo no bojo o General, Comandante em Chefe do Comando Territorial da Guiné, atordoou os céus da Tabanca e, por entre uma fumarada de poeira e calor húmido, poisou, numa dança de ave pré-histórica, no centro do aquartelamento, parada militar e campo de jogos da criançada indígena, que, à distância, observava a insólita ave e o aparato com olhar virgem, um pouco atemorizado, como quem recebe dos céus algum prenúncio misterioso e trágico, e o general-visitante fosse o deus da guerra, o que, de certa forma não deixava de ser verdade, sendo porém certo que, por outras linhas de conhecimento se manifestava a sua majestade, pois os sinais de poder e a liturgia do seu exercício atravessam todas as culturas e tempos e latitudes, bem se sabendo, no entanto, que quanto mais sofisticadas as culturas, mais subtis os sinais do poder simbólico de que os “feiticeiros”, as “divindades” e os “chefes” de todas as épocas são investidos.

O General, fardado de camuflado e as estrelas de general do Exército Português discretamente cerzidas, em cinzento, nos punhos da farda, foi  recebido naquela missão semiclandestina, que não iria constar, nem em relatórios, nem de “Ordem de Operações”, ou desenho, ou esquiço, ou despacho do Estado-maior, quando muito uma discreta nota escrita pelo seu Gabinete classificada de imediato como top secret, foi recebido à saída da aeronave, “sem pompa nem circunstância”, pelo Capitão Mascarenhas e pelo “Oficial de Dia”, na ocasião o Alferes Berros da Selva, nitidamente frustrado pela ausência do cerimonial militar, ele jovem alferes miliciano, dotado de poderosa voz de comando e apuradíssimo zelo militar, desde os tempos da recruta, nos exercícios de “ordem unida” com o pelotão, sob seu comando, a brilhar em impecável posição sentido, quais homens estátua, soldados “firmes e hirtos”, sem pestanejar, nem mexer um cabelo, “ainda que um regimento de c.lhos lhes passasse pelos lábios”. Militarão dos sete costados, a espreitar, pelo buraco da agulha, as oportunidade de “ascensão social”, mais militar que qualquer oficial, saído dos bancos e da tarimba da Academia Militar, que glória imensa seria, para o Berros da Selva, jovem miliciano, natural das Furnas, nos Açores, reciclado em Alferes, pela sua destreza física e apuro militar, provindo da Escola de Sargentos de Tavira, pois que o permanente aumento de efectivos para fazer face às necessidades da guerra, “devorava” oficiais, milicianos que fossem, para enquadrar as tropas expedicionárias e havia que fazê-los, nem que fosse à martelada, que glória imensa seria pois para o empertigado Berros da Selva, impante de solarina (e graxa) e garbo, poder escoltar o General Comandante em Chefe, dois passos atrás, como determina a etiqueta militar, a “passar revista” à guarda de honra, em apresentação de armas.

Porém, o General, em visita discreta, dispensou o cerimonial militar, para frustração do jovem oficial miliciano, de forma que, enquanto o capitão Mascarenhas e o General Comandante em Chefe trocavam palavras de circunstância, à saída do helicóptero, ou ave pré-história, conforme a perspectiva de quem olha, ambos oficiais de Cavalaria e ambos, em tempos outros, ainda na pele dos dias, a anunciar a queda do Império “do Minho a Timor”, o capitão, ainda Alferes e o General, então coronel do Estado Maior, do Corpo Expedicionário do Exército Português no Estado da Índia, ambos General e Capitão, dizia-se, ambos prisioneiros, por alguns meses, do exército da União Indiana, mil vezes superior às tropas portuguesas, a que um general outro, patriota, com sentido de dignidade nacional e sentido da História, se negou ao combate e ao massacre tão desejado pelo Salazar em vista a, no tabuleiro da política internacional, aparecer aos olhos do Mundo com mártir, derrotado embora por poderoso Exército, mas alardeando a basófia de se considerar digno dos heróis de antanho e, por não embarcar em tal logro, o patriota Governador e Comandante-chefe do designado Estado Português da Índia pagou nos calaboiços do fascismo, arrastando e arrostando a ignomínia do epíteto de general “Vacilo e Salva”, abusivo trocadilho de seu honrado nome, General Vassalo e Silva enquanto, pois, à saída do helicóptero, os dois oficiais de Cavalaria, o General Comandante em Chefe da Província da Guiné e Capitão Mascarenhas, Comandante da Companhia de Cavalaria arrastavam prolongada conversa de circunstância, o alferes miliciano Berros da Selva, provindo da Escola de Sargentos de Tavira que não da Escola de Recruta de Oficiais Milicianos em Santarém, aguentou firme e hirto, por largos minutos, em estóica posição de sentido, até que o General num gesto distraído, levando a mão direita estendida à testa, num simulacro de saudação, desarmou o impecável aprumo militar do brioso alferes, que pode assim desfazer a empertigada continência e seguir, dois passos atrás, o capitão e o general, que, em inesperada pose de paisanos, seguiam de braço dado, rumo à messe de oficiais.

“Pressinto a urgência e o teu tédio, Maria Adelaide, com esta prosa em que teimo, arredondada e recorrente, como espiral ou turbilhão que a si próprio se consome, sem deixar rasto ou marca, a não ser a poeira em que arde, e que depois de ardida se perde sem glória ou rasto, ou marco que a detenha. E sei também não ser este o “regresso a África” que desejavas, tu, Maria Adelaide, amamentada por ama negra, menina e moça, que cedo te levaram da roça de teu pai “para longes terras” em Lisboa, interna num Colégio de freira, órfã de mãe, que nunca conheceste, nem nome, nem registo, amputada assim de cuidados maternos e confidências e cumplicidades como apenas a Mãe sabe, carente de afectos que faz de ti uma mulher arisca e felina e ao teu corpo concedeu Deus a graça da expressividade de uma corça, tanto apta a render-se, como a explodir em fuga desenfreada. E sei também, Maria Adelaide, quanto te foi intrigante a personalidade de Dona Rosalinda e a sua sofrida vida, que através desta prosa arredonda, a “fazer que anda mas não anda”, como piruetas de alazão em picadeiro, te foi dado conhecer e que, sabe-se lá por que subtis fios ou caprichosos atalhos, ou acasos de vidas paralelas, ou que fascínio tentador, receias vislumbrar, não os traços diluídos do rosto de tua mãe, mas as pegadas esbatidas de tua maternidade, segredo bem guardado de que nunca soubeste e apenas uma foto amarelecida pelo tempo de teu pai, ainda jovem, no Maxime, com uma mulher seminua sentada nos joelhos te faz suspeitar.

Que te importa a visita do General à Tabanca, ou as calças do capitão Mascarenhas que não gosta de ser apanhado com as ditas (calças) na mão, ou os solilóquios do Alferes, herói acidental desta escrita sem objecto, nem sujeito, pois se sujeito houvera, na primeira pessoa seria dito, que te importa a ti, Maria Adelaide, o desafiante nó górdio que emperra os rodízios da guerra, ou a manha, que não a heroísmo – helás! – do General Comandante em Chefe de visita à Tabanca e o enorme e cavaleiresco “manguito” que o espera, que te importa a ti tudo isso atrás narrado nesta escrita redonda que tantos engulhos te causa e através de ti tantos outros e outras que te olham com simpatia, mas detestam a mão que te dá vida. Que te importa, pergunto, como se de pleonasmo se tratasse? Definitivamente – nada! A tua “guerra” é outra! É essa dor, essa ferida, que não sara, de ter uma infância solitária e mimada, nascida em África e criada com os indígenas, que o dinheiro e poder do pai, te permitia todos os caprichos, mas sem nunca conheceres a doçura de uma resposta à palavra mãe que nunca conheceste, nem nome, nem registo. Esta é a tua ferida e tua dor, cujo bálsamo aqui vens buscar numa febre de entendimento, como se a escrita em que digo e a literatura fossem fogo demiúrgico que pudessem suprir e apagar as dores do Mundo, quando – pobre literatura e pobre escrita – das dores do Mundo se alimentam.

Não, Maria Adelaide, nada te posso valer, em tua dor profunda. Apenas te digo como te vejo e apenas posso apressar o teu destino. E, por ti, abandonar definitivamente África, neste roteiro de escrita, em si mesmo, a requerer a pena capital.

Os liames da escrita, porém, são poderosos. E, nesta luta corpo com a escrita, não se pode claudicar, nem ser desleal e frustrar a emanação cristalina do seu curso e os lances ainda por dizer. Por isso, um pouco mais de paciência ainda…



   

  

sexta-feira, setembro 08, 2017

SOU LINHO ESTENDIDO...


Sou linho estendido sobre a pedra. (Como mesa...)
E o suor dos rostos em círculo. Como mito. Sei agora...
E o pão avaro.
E o rito das mãos de boca em boca
E as gargantas ressequidas.
Sou o vinho...

E sou a sombra. E a gota de água.
E a agitação do freixo. Sou a canícula e sou a raiva.
E a boina descaída sobre os olhos – basca.
E a precária sesta na aragem do dia.
Sou a ceifa...

Sou os tordos espantados de meus olhos
E a voz do amo
E o sol que já declina...

Sou os corpos debruçados sobre a terra
E o crepitar do caule e da espiga.
Sou o fio da revolta
Que não sabe ainda...

E neste horizonte de mágoa
Sou sopro de bandeira
Sou esta linha quebrada que explode
E me incendeia...

Sou este signo vazio de tudo ou nada.
E o canto das cigarras que teima...

Manuel Veiga

"Do Esplendor das Coisas Possíveis"
POETICA Edições - Abril 2016



quarta-feira, setembro 06, 2017

Sei Que Minha Liberdade...


Sei que a minha liberdade é a minha palavra
Acesa. Por vezes, serena. Porém,
Certeira – nunca justiceira!
E é a minha vontade
Que ninguém domina!

E os dados tombados sobre a mesa.

E sei que Deus e o Diabo moram nos pormenores
E em cada esquina. E que a ambos sirvo
Na minha condição de humanidade.
Em cada lance da vida.

E sei que no Juízo Final a escolha
Será minha.


Manuel Veiga

segunda-feira, setembro 04, 2017

METAMORFOSE(S)...



Sorriso flor aberta
A render-se em festa
E olhar-mágoa. Febre e lágrima
A desfazer em água.

E o poeta. Espera pura
A arder em palavra nua
E a beber o fel e o mel
Nessa metamorfose
Líquida.

Já não lágrima. Apenas
Febre e dádiva.

Manuel  Veiga



Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...