quinta-feira, setembro 29, 2016

CULTO DA ÁGUA


a Terra. o Ar. o Fogo. a Água.
 
Destaco a Água. Pelo gosto da água. Pelo prazer da água. Pela presença da água: elemento essencial de Vida!
 
Dizem-me velhos tratados, (decifrados nas rugas das páginas) que é grande o homem, tão só quando mergulha nos dons da natureza. Que da água primordial, se solta o sopro divino. Mátria, que não Pátria, deveria celebrar o culto. E nela soltar-se o lado luminoso da História.
 
Terra e Água. A fecundidade perene. O encantamento e o milagre. Surpreendo-me, às vezes, especulando quão diferentes seriam nossos dias, se o lado errado fosse o certo e a história nos legasse, o que ficou calado. Se a água triunfasse e límpida corresse. Na sede e nas lágrimas, claro. Mas também nas torrentes caudalosas, que abrem sulcos definitivos.
 
“Água azul: ei-la.
Entrei nela,
E fiquei todo azul”...[1]
 
Mas quem se espanta com o espanto do índio das Montanhas Rochosas? E quem, do seu canto, guarda a magia do banho matinal? Perdeu-(se). Agora apenas os poetas e os bêbedos de utopia lhe perseguem o rasto...
 
“Agora não há terra.
Há apenas água sem fim
Até aos quatro cantos do nada
............................................
A água move-se em silêncio
De sons ainda por ouvir... “[2]
 
Poesia pura. Mas quem das margens do Eufrates, escuta hoje os “sons ainda por ouvir” no barro das letras balbuciantes? Babilónia está a arder. Os sons, os terríveis sons do império, esfacelam o eco milenar de civilizações fecundas...

"Águas, sois vós quem nos traz a força vital. Ajudai-nos a encontrar alimento para que possamos encontrar grandes alegrias. Deixai-nos partilhar da seiva mais deliciosa que possuas, como fôsseis mães delicadas...”[3]
 
Mas quem escuta a exortação? Quem das águas do Ganges faz alimento para o esfarrapado pária? Quem? Milhões à tona de água que a história arrasta, descartáveis...

E aqui, ontem, onde tudo para nós começa? Iniciática a água e redentora na lenta ascese do Caos em direção à Luz. Água de vida. Sabedoria escondida no âmago

... “e dei-lhe de beber a Água da Vida que o despe do caos que existe no mais completo das trevas, dentro de todo o abismo[4]

Assim falam, nos vãos esquecidos da história, os manuscritos gnósticos de primitivos cristãos. Mas quem hoje a espiritualidade dos tempos?

Mátria e Pátria da Terra Prometida, pela água (e pelo fogo) se faz a luz sobre as trevas. Pela água (...) “somos salvos pelo conhecimento do oculto, por meio da luz incomensurável e inefável. E aquele que se esconde entre nós (o reino das trevas ) paga tributo de seu fruto à Agua de Vida.[5]

No fulgor do Verbo e da Palavra (inter) dita dos vencidos – o Culto da Água.

Manuel Veiga

Os textos em itálico pertencem à  Coletânea  “Rosa do Mundo – 2001 Poemas para o Futuro” - Assírio e Alvim – 2001 Lisboa


[1] - Canção dos Índios Pimas – América do Norte
[2] - Excerto de Poema da Suméria
[3] - Exortação - Índia
[4] Manuscritos gnósticos
[5] Manuscritos gnósticos


















 

segunda-feira, setembro 26, 2016

PELA SEDE SE APRENDE A ÁGUA ...


Há alguns anos a esta parte, surgiram em Lisboa, em algumas estações do Metropolitano espaços de venda, onde os livros se derramam numa espécie de bric-à-brac horizontal, como se um capricho invisível tivesse apeado a imponência majestosa das velhas livrarias e a Biblioteca de Babel fosse, já não a infinita cornucópia labiríntica de que fala Borges, mas antes a rasoira implacável do deus-consumo, que tudo expele e degrada. Até os livros...
 
No entanto, nesses espaços de reciclagem, por entre restos e lixo editorial, descobre-se, por vezes, uma pérola ou outra, que como caçador de tesoiros me gratifica e conforta, breves que sejam os momentos...
 
Na sequência de uma dessas incursões colhi um singelo apontamento do quotidiano, que passo a narrar, um quase-nada, um pequeno detalhe tão denso de significado que, como breve centelha de esperança, ilumina a vida e preserva intacto o futuro. Pelo menos perante meus olhos, nunca cansados de deslumbramento e de surpresa...
 
Ora vejam...
 
Foi uma tarde de Domingo, pelas 16 horas da tarde. O centro comercial regurgitava. Massas humanas atropelavam-se numa moleza de autómatos, nas escadas rolantes e nos espaçosos corredores, espreitando as vitrinas e mastigando a angústia e o vazio. Crianças pela mão, exigentes nas solicitações, que as coloridas promessas, ali à mão, se ofereciam nas lojas e no esplendor dos enfeites...
 
E os pais, sabe-se lá qual com que mágoa: “Não pode ser, não pode ser...” – puxando pelas crianças lacrimosas, num gesto de impaciência mal contida...
 
Rumei, pois, nas minhas deambulações. E, em breves instantes, deparei-me com um desses espaços de venda de livros, onde entrei, não sei bem se para aplacar a angústia da tarde, se arrastado pelo hábito. Tive sorte. Dos escombros em saldo, por entre publicações de erotismo de pacotilha e outras esotéricas com promessas de felicidade futura, veio parar-me às mãos o volume que me faltava da obra de um dos grandes vultos da cultura europeia do século XX.
 
Dei o dinheiro (cinco euros) por bem empregue. E, saboreando a minha descoberta, dirigi-me a caixa. À minha frente, na fila de pagamento, o momentâneo prodígio. Um jovem, com menos de trinta anos, manifestamente de formação académica superior, de ténis gastos e roupa poluída mas de bom gosto, rosto marcado e expressivo, olhar firme e magoado surgiu, perante no meu espírito inquiridor, como um digno exemplo da geração dos € 500 euros, não sei se no desemprego, se aguardando a oportunidade de emigrar.
 
Insisti em olhar, o que manifestamente o incomodou. Mas então a minha curiosidade já se deslocara. O centro agora era a doçura de criança de três ou quatro anos, loira e encaracolada, que segurava pela mão. Falava pelos cotovelos a rapariguinha. E perante o meu mal contido desvelo, a menina estendeu-me um dos livros infantis do monte, que segurava com dificuldade: “O papá compra!...” - esclareceu-me em seu linguajar...
 
Vinte euros! - anotei no registo da máquina. O preço da felicidade de um pai jovem e desempregado. E de uma filhinha linda...
 
“Só pela sede se aprende a água...” – balbuciei intimamente, apaziguado e comovido.

Manuel Veiga

 

Mississippi Blues - The Best Of Mississippi Blues


sexta-feira, setembro 23, 2016

IDADE DA INOCÊNCIA...


Teciam carícias como flores. Sobre a relva, os corpos ébrios de espaço e o rodopio - céu e terra misturavam-se na vertigem. Depois exaustos, caiam e enrolavam-se, em fusão de adolescência e Primavera.
 
Então ele tecia grinaldas de malmequeres e enfeitava-lhe os cabelos, em glorificação pagã de tempos futuros, pois agora de nada sabiam: eram inocente pulsão de vida. Ela ria. O marfim dos dentes, o vermelhão húmido dos lábios, os seios a despontar no estampado da blusa. Ele atrevia-se. Por vezes, ao joelho destapado. E a mão a subir à coxa, tremendo de novidade e emoção.
 
E a voz esquiva, no sorriso: “Está quieto. Aí, não!...”
 
E corriam, de pássaros nos olhos, levantando revoadas...
 
O sol criava reflexos de oiro nos olhos verdes de Joaninha. Queimavam. Ele abrasava no sangue revolto. Ofegante, crescia.

Olhava-a: "Dá-me um beijo!...” – dizia em oração murmurada.
 
Perversa e risonha, Joaninha apontava o rosto. Desiludido e amuado, o rapaz teimava: - “ Tu prometeste. Dá-me um beijo!...”
 
Então Joaninha ergueu-se, majestosa. E com a mão, em concha, a proteger os olhos, alargando o olhar para além do horizonte, sorriu, em arrepio de infinito:
 
“Dou-te um beijo, se me disseres onde fica o mar...”
 
O rapaz, naquela tarde, inventou os oceâneos e as marés...
 
 
Manuel Veiga
 
 

terça-feira, setembro 20, 2016

EM LOUVOR DE LYDIA (Três)


Sentemo-nos, Lydia, e deixemos que a vida passe
E com ela os enganos.

Coroemo-nos de flores efémeras
E precários ócios. E das cores de Outono
Recolhamos as amoras como se o Verão
Fora eterno.

Beijemo-nos, Lydia. Sejamos magnânimos .
E afastemos com distraída mão
Vinganças vãs. E pensamentos
Duros. 

E assim apaziguados, abjuremos os barcos
E deslizemos – pagãos e puros –
Na mansidão do rio.

Manuel Veiga
 
Nota
Lydia é uma criação literária de Ricardo Reis

 

segunda-feira, setembro 19, 2016

EM LOUVOR DE LYDIA (Dois)


Um dia, Lydia, seremos apenas eco
Na margem do rio e a brisa amena
A música de nossa ausência...

E tu virás solícita de rosas enfeitada
Que desfolharás, pétala a pétala, em teu regaço
E beberemos a fresca água por meus dedos.

E dolentes serão as horas.
E o arfar do peito assim deslassados
E teu perfume evanescente.

Como o murmúrio da tarde
Num suspiro breve tombando-se
A poente.

Manuel Veiga

Nota: Como se sabe, Lydia é uma criação literária de Ricardo Reis

 


domingo, setembro 18, 2016

COLAPSO DOS BARCOS na Dança das Marés...


 
Pressente-se o colapso dos barcos na dança das marés.
E todas as armadas e todas frotas como cisco
Dos dias poluídos.

E as águas límpidas e todos os oceanos como maré alta
E onda a arrebatar os céus.

E neste rasgo o azul como cor ígnea.
E o olhar a fronte altiva no espelho das horas.
E as casas habitadas quais cabanas
Clandestinas.

E todos os poderes mesquinhos abatidos.

E então todas as flâmulas. E todas as rotas.
E todos os caminhos. E todos os atalhos.
E todas as gazuas. E todos os segredos
Se acharam.

E todas as dores. E todas as mulheres paridas
E todas as mulheres perdidas.
E todos os partos.

E todas as brigas. E todas as facas.
E todas as marcas de meu corpo. Ardidas.
Foram...

E todas as esperas. E todas as demandas. E todo o anúncio.
E todos os prenúncios. São agora nome tatuado.
E fervor de Liberdade.

Manuel Veiga

 
 
 

quarta-feira, setembro 14, 2016

UMA HISTÓRIA SIMPLES...


 Ao princípio, antes dos nomes,
Quando todas as coisas fluíam na inocência do porvir
Acordou, na margem, aos olhos do poeta,
Uma centelha (ou uma lágrima) fulgurante
Que a si própria se ergueu e se ungiu
Como Prodígio. E Mensageira.

E então todo o Caos se (des)ordenou.
E todas as cores e todos os sons.
E todas as formas. E todas as fórmulas.
E todos os ritos se abriram.

E todos barros...

E todas as sarças foram chama a arder na boca
De todas as palavras

Manuel Veiga

 

segunda-feira, setembro 12, 2016

LINGUAGEM, MÉDIA E ... POLÍTICA


Como se sabe, qualquer linguagem ou sistema de comunicação, desde a política, a literatura, a arte, a moda, o cinema, o desporto, a culinária e, de uma forma geral, todo o comportamento humano – desejaria que até este próprio texto - “fala” para além daquilo que propriamente diz. Os silêncios, os gestos, os contextos, são tantas vezes mais expressivos que a denotação das palavras, ou os códigos em cada discurso se desencadeia e se realiza.
 
Claro que as linguagens mais elaboradas, como a literatura, o cinema, a arte em geral e (uma certa forma) de política alimentam-se deste jogo de(s) ambiguidade(s), e nuances de sentido, articulando-se, ou desfazendo-se, abrindo-se a novas possibilidades de “leitura”, ou remetendo para outras instâncias de “significação”...
 
No que diz respeito à política, a comunicação tem, por sua natureza, importância decisiva, como bem se compreende. Porque a política é fundamentalmente “verbo”, quer dizer, carne do compromisso originário do homem com a cidade - usar (d)a palavra é ministrar o sacramento do(s) poder(es)...

 Por isso, a política, é (era) palavra encenada, cerimonial, retórica, empolgante... Em discurso directo com os cidadãos, na praça pública, tantas vezes na proximidade da presença afectiva e do contacto pessoal. Pode dizer-se que a política se exercia sem mediatizações. Ou, então, em espaços e meios de comunicação neutros (enfim, tendencialmente!), por onde perpassavam os diversos discursos políticos, em relativa igualdade. E tinha sempre significado. Quer dizer, conteúdo, diferenciação, sentido... A pulsão da vida e do discurso político sobrepunham-se aos efeitos da forma...

Hoje em dia, verifica-se uma mudança de paradigma. Os órgãos de comunicação social e, em especial as televisões, criaram a sua própria “ideologia comunicacional” ao serviço do lucro das empresas, de que são emanação. As audiências são o alfa e o ómega de qualquer direcção editorial. O que interessa é o estrondo mediático que aumente o lucro da publicidade. A realidade real é ilidida. “A tragédia e o horror” são receita garantida de audiência. E, se a realidade não chega, “fabrica-se” virtualmente a realidade, inventando, empolando, repetindo até à exaustão... Com consequências devastadoras na forma de fazer política.

Os média – até então instrumento neutro (?) de comunicação - são hoje o “quarto poder”, sobrelevando-se aos poderes de soberania (as televisões têm a veleidade de afirmarem que “fabricam presidentes da República como quem vende sabonetes"...) A verdade política é, assim, aquilo que a comunicação social afirma ou as televisões revelam – e não aquilo que os políticos pensam ou propõem e, muito menos, aquilo que a sociedade e os cidadãos aspiram. A política ficou, portanto, prisioneira do enredo da comunicação social. A criatura devora o criador, num jogo de mútuos reflexos, de quem ninguém sai ileso – nem os média, nem os políticos.

Por exemplo, as “guerras do Alecrim e da Manjerona” dos debates televisivos, nas campanhas eleitorais, em que a dramatização interessa aos média, como meio de fixar audiências. E interessa também aos actores políticos, que pela histeria (no sentido patológico do termo) visam sobrepor os respectivos discursos, procurando projectar assim nas audiências e na sociedade em geral, de cada lado da confrontação política, uma alegada (falsa) ideia de democracia. Nos respectivos jogos de oposição e simulacro mais não fazem que degradar a própria ideia de Democracia.

Quem se limite assim a participar apenas dos "efeitos do discurso" não pode escapar a sensação de “deslumbramento” no confronto bélico dos candidatos. E, no entanto, a maior parte deles, são confrangedores, sem qualquer substância, ou qualquer ideia digna de registo, ou simplesmente esclarecedor de cada um dos programas.

“Flactus vocis” apenas, como diria o “seareiro” Raul Proença, nos tempos da "velha" política...

Manuel Veiga

sexta-feira, setembro 09, 2016

INTERMINÁVEL JOGO...

 
Jogam-se dois corpos celestes. Assaz brilhantes.
Calcula-se o quadrado da distância
Infinitamente
Até a gravidade
Os fundir – íntimos! 
Fogo branco então a arder – imenso!
E a mudar o eixo do Universo.
E a acertar o paradigma
Do Mundo!
....................................

Vórtice e absoluto lance.
E os dados a rodar na mão dos deuses
Interminavelmente...

Órfãos do Acaso e do Absurdo
Simulacro de deuses
Somos!...  

Manuel Veiga

 
 

Maria Helena Viera da Silva - óleo 1943

terça-feira, setembro 06, 2016

SOBRE A "FESTA DO AVANTE"


A Festa do Avante, promovida pelo jornal do Partido Comunista Português, celebra-se, anualmente, na Quinta da Atalaia, no Seixal, com a participação de milhares e milhares de pessoas, de todas as idades e condições sociais, vindas de todos os cantos do país (e muitas do estrangeiro) para três dias de encontro e confraternização.

“Não há festa como esta” dizem, com razão, os seus promotores e militantes. E não apenas pelos seus eventos culturais (com o melhor que se produz no domínio da música – para todos os gostos - das artes plásticas ou da literatura), ou por esse mosaico de gostos e paladares que são a culinária e os vinhos nacionais, ou pela multifacetada expressão do artesanato regional, ou pelos exaltantes momentos de participação política.

Claro que haverá sempre diversos olhares sobre a Festa. É natural que haja. Apenas a engrandecem aqueles que por preconceito, ou por função e missão, dela desdenham. Mas para quem, com olhar límpido, quiser ver não poderá ignorar o imenso sortilégio que a Festa do Avante exerce sobre quem a frequenta, independentemente, das opiniões políticas.

E é caso para nos interrogarmos sobre as razões de semelhante sucesso, numa sociedade eivada de um anticomunismo larvar, permanentemente instigado pelos aparelhos de dominação ideológica – na comunicação social, nos modelos de sociais, nos padrões de consumo, na política, na profusão das imagens que encharcam o nosso quotidiano.

Por que razão o “efeito” Festa do Avante excede o horizonte da mera militância política e seduz tanta gente? Tenho claro que a Festa do Avante é antítese perfeita da chamada “sociedade do espectáculo”, em que andamos mergulhados. Dai as razões do seu sucesso...
 
Deixem que tente explicar-me. Como sustenta Guy Debord, as modernas condições de produção apresentam-se como uma imensa acumulação de espectáculos, onde “tudo o que até então era directamente vivido se afastou numa representação”.

Assim, o espectáculo será, no dizer deste autor, “ao mesmo tempo o resultado e o projecto do modo de produção existente”. Sob todas as suas formas particulares - informação ou propaganda, publicidade ou consumo, ou divertimentos - o espectáculo constitui o modelo da vida socialmente dominante, numa “afirmação omnipresente da escolha já feita na produção e no consumo”.

Forma e conteúdo do espectáculo são, assim, a justificação total das condições e dos fins do sistema de produção existente. Numa frase lapidar, “o espectáculo será o discurso ininterrupto que a ordem dominante faz sobre si própria, ou seja, o seu monólogo elogioso” .

O processo de alienação será permanente: quanto mais o espectador contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. “A exterioridade do espectáculo em relação ao homem concreto revela-se nisto - os seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que lhos apresenta”.

Pois bem, a Festa do Avante escapa a tal lógica. A Festa do Avante pertence literalmente dos seus construtores. É trabalho voluntário que ergue os seus pilares. Trabalho livre, sem salário. Com o tempo e a forma que cada um escolha, motivado apenas pelo desejo de “fazer” a festa. Trabalho desalienado, portanto. Que subverte do sistema de produção dominante, pois é demonstração prática (precária que seja) de que outro modo de produção é possível.

Por outro lado, a Festa do Avante pode ser usufruída sem mediação, nem filtros, por todos aqueles que nela participem. O espectáculo, (que Festa do Avante também é) e as imagens que projecta na sociedade portuguesa e, em especial, em que têm o privilégio de nela participar e compreender, correspondem à vivência real dos homens concretos, como “discurso” alternativo à ordem social alienante.

Por momentos, nos três dias da festa, será a libertação do Desejo e do Sonho, (“de focinho pontiagudo”), sondando os dias do Futuro. E a vida real de milhares pessoas, alargando o horizonte da consciência social de cada um e o caudal da consciência colectiva de que é possível uma vida melhor.

Gosto, sim, da Festa do Avante. Muito. Como paradigma de uma sociedade diferente. Mais justa, solidária e fraterna. Como lampejo da Utopia, que as mãos, a luta e o suor dos homens, libertos das contingências de modo de produção dominante, um dia poderão erguer...

Manuel Veiga
"Notícias de Babilónia e Outras Metáforas" - pág. 17
Edição Modocromia - Abril 2015



domingo, setembro 04, 2016

EM LOUVOR DA AMIZADE...



Para os meus amigos
Maria Amélia
Jaime Carvalho

Amizade é um alagar-se por dentro
Num lento movimento sem gestos: quase mudo!
Uma música sem ritmo, um quase-nada
Que assinala e acrescenta
E sem tempo se demora
A somar gente
À gente.

E nada pede. E se deixa assim ficar
A bailar...
Como se nada fora!...

Manuel Veiga
Festa do “Avante” - 2016
 

 

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...