quinta-feira, outubro 30, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LXII


Em tempos de má memória, Babilónia teve um “Manholas”. Que se alimentou, durante décadas, do sangue de alguns e da ignorância de muitos – aos babilónicos bastaria saber “ler, escrever e contar...”

Catedrático e doutrinário, eliminou a inteligência das Universidades...

Hammurabi, o legislador, sem lustro, nem "sagesse"  vai até onde lhe chega a manha... E manda dizer por um capataz, que em, publicações universitárias, não tolera reprodução de grafitis, nem muito menos “ofensas às pessoas” - ou seja, à Imperatriz e ao merceeiro-mor do reino, entre outros que tais...

A Praça pasma de tanto esmero...
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E um velho cientista, a carregar a máquina do Tempo, murmura numa língua bárbara“Oh tempora, oh mores! Quem diria o Futuro pode a cada momento virar-se passado! Babilónicos, em frente! – Proclamem a revolta em todos os muros da cidade! 

E - como diz o poeta - “façam-se ao mar antes que sequem os rios...”


segunda-feira, outubro 27, 2014

OUTONO(S)...


Veste-se o Outono de mostos e fermentam
Sabores na glória dos frutos que as bocas
Salivam
Tão maduras
Que se desprendem
Como promessas em zénite
Atordoadas em mel
Quais corolas
Soltas em voo de línguas suculentas...

Impúberes os sonhos. Ainda.
Que humedecem os olhos
De tão claros.

Azul
Na vertigem
E no alvoroço
Cinzento na hora da chegada
Como restolho depois do dia
Ou despojos
Diurnos
Antes da noite
E do frio...

De nada vale o doirado das vinhas
Nem a plangência do sol
Nem o vigor íngreme
Dos passos
Na cadência das montanhas.

Nem a vindima.
Nem os cestos...

Outono é esta memória cálida
Fogueira onde soletro meu corpo aceso
E cato meu piolho
E minha sarna...

Dulcíssima flama em que me embalo...


Manuel Veiga


terça-feira, outubro 21, 2014

... E NO ENTANTO EM TEUS OLHOS



Vens autêntica em tua benevolência cálida
Dulcificando em mim a noite cerebral
Ungindo esquecidas glórias
Adejantes como fogueiras vãs
Que apagadas ardem e nas cinzas
Se ateiam...

Bem sei (ambos sabemos)
Que o tempo corre por vezes bálsamo
Outras apenas flor de zimbro
Insignificante em seu devir
Estéril como promessas por abrir
Cumprindo rotas sem registo...

E no entanto em teus olhos
Bebo o fruto cristalino das árvores inventadas
Antigas falésias debruçadas
Ventos sobre os dedos
Mãos abertas quais barcos caminheiros
Em generosa dádiva...

Que mais importa ao poeta
Senão cumprir-se?...

Não se pede ao arco que corra atrás da flecha
Nem à flecha que abandone a meta
Traçada...

Manuel Veiga



sábado, outubro 18, 2014

NOTÍCIAS DE BABIÓNIA LXI


Babilónia é um alfobre de génios – e de saídas airosas...

Hammurabi, o legislador, abjura o “fundamentalismo orçamental” - como as eleições exigem!... Mas “não tem cara” para defender em Bruxelas a baixa impostos...

Um dia, porém, quando os babilónicos forem mais esmifrados ainda, então sim, escorrerão bênçãos fiscais pelas ruas de Babilónia – por ora Hammurabi limita-se a anunciar uma compra a fiado...

A Praça entreolha-se e invoca o Espírito Santo para rentabilizar o generoso crédito que Hammurabi, o legislador, lhe irá pagar mais tarde...
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E um velho taberneiro, roído por mazelas e dívidas: “Sei do que falo - também eu fio aos maiores de 80 anos, quando acompanhados pelos pais...”

“Queres fiado? Toma!... Babilónicos, façam-lhe um grosso manguito!...”

terça-feira, outubro 14, 2014

SEDE EM QUE ARDEMOS...


Nada é começo na contabilidade das horas
Nem o rugido das esferas é vibração do cristal
Nem os passos são a devoção dos dias
Nem as ondas-cavas são destino de barcos...

Administramos silêncios.
E os dedos são compasso de um círculo
Que se ferra no pescoço dos náufragos
E asfixia o grito. E devora por dentro num fervor negro
Como bolor em pão ázimo
De porta em porta
Negado...

Somos leilão de condenados.
Sem o sabermos. Que nem o preço ao menos
Nos distingue na volúpia do deve – e do haver!
Nem o festim das coisas que esventram os olhos
Nem a náusea nos redime
Nesta voragem...

Libertos apenas talvez na palavra que teima
E no bruxuleante lume da candeia
A iluminar a gruta. E no granito
Fogo e água tímida a soletrar
A sede em que ardemos.


Manuel Veiga


sexta-feira, outubro 10, 2014

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA LX



 Babilónia tem um Crânioe um Crato!...

Hammurabi, o legislador – outro Crânio!... – atribuiu,  não se sabe bem se ao Crânio do Crato, se ao Crato do Crânio  a tarefa de iniciar os jovens nas subtilezas do Ábaco...

Então o Crato do Crânio inventou o Caos... 

E a teoria da imponderabilidade – os professores são e não são e nunca se sabe onde estarão...

A Praça encolhe os ombros e murmura que o Crânio do Crato é uma mera cacofonia...
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E um velho fantasma, que se quer bem sepulto: “Para quê mais? Aos babilónios basta saber ler, escrever e contar (pelos dedos)...”








quarta-feira, outubro 08, 2014

SOLITÁRIA ESCRITA DE TEUS PASSOS...



Solitária escrita de teus passos
Ténues marcas sobre a praia ainda virgem
E a descoberta do infinito manto do nada
E o prazer íntimo de caminhar descalço
Pura sensação de tudo...

Nada nos pertence. Apenas o solicito olhar
Sobre o grão de areia que somos
E a cálida brisa no rosto
E os afectos que derramamos
Por entre os dedos...


Assim a vida,
António!

sexta-feira, outubro 03, 2014

UM PARDALITO À MINHA JANELA...


Há uns dias que tenho um "cliente" especial à minha janela...

Um pardalito desajeitado e ladino teima em fazer-me negaças!... Com uma regularidade de fazer inveja, salta para o parapeito e põe-se de fora a olhar-me em desafio. 

Se me levanto ou lhe falo arranca de lá um grosso manguito e desanda... Se me concentro e finjo não lhe ligar, trata de me provocar com um atrevimento inaudito!...

Suspendo então as teclas e os códigos e, de olhar bovino, impávido, fixo-me nas suas cabriolas; olha-me então (pressinto-o terno) de cabeça inclinada, dá uma bicadas imaginárias, "amanda" uma substancial borradela e... asas para que vos quero!...

Como um risco de fogo, atravessa a poalha doirada deste sol outonal, e entre guindastes e fios lá vai ele perdendo-se sobre o Mar da Palha!...

Pensei oferecê-lo a alguns blogs políticos a ver se me via livre desta praga. Ou talvez a alguma senhora mais disponível, que, no intervalo dos seus desenfados poéticos, pudesse afagar-lhe as penas e apurar-lhe o luzimento!...

Mas não posso!...

Tenho que levar até ao fim o meu castigo. Sussurram-me os deuses das coisas simples ser o espírito do jovem drogado que, com a minha moedinha diária, ajudei a matar...


Tenham bom fim de semana.

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...