Entre os escritores de
culto, na minha juventude, Stefan Zweig, tinha lugar de referência. Os romances
“Amok ou Carta a Uma Desconhecida”, “Angústia”, “Confusão de Sentimentos” ou “24
Horas na Vida de Uma Mulher” povoavam então o meu imaginário, pela descrição
de ambientes, pelo recorte dos personagens e pela subtil vibração dos
sentimentos, que perpassa em toda a sua obra literária, testemunho do tempo
crepuscular entre as duas grandes guerras mundiais do século XX.
“Caçador de almas” como alguns estudiosos o consideram, Stefan Zweig
revela grande fascínio por aqueles seres especiais que atravessam a vida com a
inocência primordial dos sentidos, muitas vezes questionando a superioridade do
génio face a “humana humanidade” do medíocre ou do vencido – o derrotado da
vida, que, em sua redenção, atinge, um valor bem superior ao dos triunfadores.
Como se sabe, o
escritor austríaco Stefan Zweig não foi apenas novelista. Foi também ensaísta,
poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo de grandes figuras da história da
humanidade, designadamente, de Dostoievski, de Nietzsche, Maria Antonieta,
Fouché, Romain Rolland, entre outros.
Judeu, humanista,
pacifista e crítico do nazi-fascismo, teve os seus livros proibidos e queimados
na praça pública. Com o nazismo, Stefan Zweig foi assim obrigado a deixar a
Áustria e iniciou então uma peregrinação pelo mundo, acabando por se fixar no
Brasil.
Em 1942, deprimido com
o crescimento da intolerância e do autoritarismo no seu país e o triunfo na
Europa da besta nazi, descrente no futuro da humanidade, Stefan Zweig escreveu
uma carta de despedida e suicidou-se, em Petrópolis, com a mulher.
Agradece ao Brasil “a gentil e hospitaleira guarida” e termina a sua carta de despedida do mundo: ”Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja
dado ver a aurora desta longa noite - eu, demasiadamente impaciente, vou-me
antes”.
......................................................................................
Nestes dias
crepusculares de um final de Verão, na acolhedora paisagem da instância termal que, por uns breves dias, me acolheu, saindo como uma fantasmagoria de
uma qualquer página da obra de Stefan Zweig, irrompe a personagem incontornável
de Monika.
Fora eu “caçador de
almas”, ou tivera um pouco do talento do grande escritor e a Monika entraria
directamente para a galeria das grandes criações. Assim, permanecerá imperecível,
no anonimato da vida que escolheu e no nostálgico gesto das minhas evocações
literárias.
E no prazer de convosco compartilhar os impressivos traços que,
perante o meu olhar, esboçam o perfil festivo de Monika e o seu status nas
hierarquias e nas redes do espaço social daquela instância termal.
Vestida de longas e
coloridas saias, com flores pintados no rosto e fitas de papel a enfeitar-lhe o
cabelo, Monika oscila entre um arlequim e uma hippie dos gloriosos anos
sessenta, que certamente viveu com intensidade. Farmacêutica, cedo abandonou a
profissão, mal compreendeu que os interesses da “indústria” se sobrepõem às
necessidades sociais.
Austríaca por
nascimento (como o meu autor) e cultivada em Viena de Áustria, vive em Portugal
(no topo da serra algarvia), onde chegou perseguindo ervas medicinais e o amorrrr, como confessa com um sorriso
cândido, em sua pronúncia carregada de “rrrr”...
Hoje, rodeada de filhos e netos... E de galinhas e ovelhas (e do “filósofo”,
velho burro carregado de anos) que amorosamente alimenta e cria nos escassos
hectares que cultiva por suas mãos.
Na época estival, desce
ao vale percorrido pelas águas termais e pelas instalações hoteleiras, onde
numa acanhada arrecadação instalou o “Kids
Club” um pequeno “atelier” de
artes performativas, para glória da pequenada e descanso de pais e de avós.
Ao mesmo tempo, vai
mediando afinidades, que o seu olhar atento e arguto sabe descobrir entre
hóspedes. Detesta arrogâncias.
Foi-lhe por isso penoso, quando a placidez do
local foi invadida por grupo norte-americano, que o privilégio do dinheiro lhes
permitiu escolher o lugar para um exuberante casamento.
Quiseram, porém, os
benignos deuses do lugar que a sobranceria fosse castigada por uma arreliadora
quebra de energia eléctrica, que manifestamente lhes estragou a festa para gozo
íntimo dos indígenas preteridos na esplanada e nas piscinas do hotel e o
sorridente e irónico olhar de Monika...
Monika, na singeleza das suas escolhas, representa, porventura, talvez sem o saber, a realização prática da ideia de "vida boa" que, desde Aristóteles, os espíritos mais lúcidos perseguem. E que é a antítese do "deus-fetiche" - o dinheiro...
Há ainda seres assim,
que planam sobre a vida. Tão reais, como se fossem ficção...