Como por certo já notaram, temos, no
Governo da República, um “Maduro”...
Fosse apenas seu
distinto apelido e não cansaria eu vossa paciência, nem manifestamente, gastaria
meu latim; isto é, não mereceria de mim qualquer outra atenção ou interesse que
não fossem uns palavrões, no melhor vernáculo, extensíveis aliás a todo o seu
governo, quando me dou conta do assalto programado à minha pensão de aposentado
da Função Pública.
Acontece, porém, que o
“nosso maduro”, vindo de Florença,
chegou ao governo engalanado das vistosas penas de professor de Direito no
Instituto Universitário Europeu, sediado naquela vetusta cidade italiana. Seria
assim de esperar que o espírito de Galileu Galilei, ainda que de relance,
tivesse desencadeado alguma luminosa centelha nos neurónios privilegiados do
novel ministro.
Mas não. Pelo
contrário, mais parece que os fantasmas da Inquisição lhe dobraram a mente e o
fizeram refém das práticas jurídicas do Tribunal do Santo Ofício.
De facto, como
compreender as estocadas (florentinas?) contra a Constituição da República e os
persistentes arreganhos ao Tribunal Constitucional? E que, descontada a
distância e o negrume (e as agruras) dos tempos, depois do “século das luzes” e
da universalidade do Estado de Direito, venha alguém, mais a mais um
“académico”, defender o arbítrio constitucional, como “razão de estado”, isto é, como fundamento da ação governativa?
Exagero? Mas então como
classificar as recentes declarações, nas quais, preto no branco, o ministro
esclarece seu doutoral pensamento, acusando o Tribunal Constitucional de
limitar “em excesso” a “liberdade de deliberação democrática em
determinadas matérias”?
Trocado por miúdos, o
que está patente nestas doutíssimas e ministeriais palavras é, antes de mais, a
especiosa consideração de que os governos democraticamente eleitos, devem
possuir uma congénita “liberdade de
deliberação”, sem terem que submeter a ação governativa ao que está
consagrado na Constituição da República e, quando é o caso, ao juízo de
avaliação do Tribunal Constitucional.
Teríamos, assim, uma
sibilina inversão do ordenamento jurídico-político e no funcionamento do Estado
de direito. Não seriam os governos a submeterem-se aos princípios e valores da
lei fundamental do País, mas antes se instauraria uma praxis “de interpretação constitucional”, tão
elástica quanto necessário, de molde a que o Tribunal Constitucional – que tem
por mister, como se sabe, velar pelo cumprimento da Constituição – pudesse
fazer uma interpretação “a la carte”
das normas constitucionais, mais conforme com os desígnios da ação
governativa, em cada momento.
Enfim, a
institucionalização do arbítrio constitucional... E não colhe o facto do
ministro Maduro se ter resguardado e considerar que “elasticidade interpretativa” valeria em circunstâncias especiais,
“como estas que enfrentamos hoje”, pois
que, sejam quais forem as circunstâncias, quando as leis são interpretadas
conforme as conveniências do governo em funções, é a própria essência do Estado
de Direito que está em perigo.
Já nos chegavam as
folhas de Excel e os gráficos com que o ministro Gaspar nos esmifra. Temos
agora um Maduro, que reduz a Constituição da República a “uma mera folha de papel”, rasgável e substituível, conforme as
conveniências do poder de momento, de que já falava Ferdinand Lassalle, em
1863.
Enfim, o resto seriam “tecnicidades subalternas”, como afirma
um distinto jurista português, zurzindo “a
falta de cultura constitucional” do poder político dominante.[i]
[i]
Paulo Ferreira da Cunha – in “Constituição § Política – Ed. Quid Juris.