quinta-feira, dezembro 26, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLVI


Com o barco encalhado e o desespero nos lares, Babilónia transformou-se numa feira de originalidades...
 
Não podendo inventar a roda, nem o relógio de sol, vice-Hammurabi, o trampolineiro, inventou a “máquina de congelar o tempo” – poderá a “tróica” sair, que nada irá alterar a substância das coisas. Isto é, o barco continuará parado e o Futuro capturado por interesses espúrios...

Paralisada com o frio, a Praça encolhe os ombros, indiferente a este novo embuste...
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 E o "Poeta-vário", um pouco toldado: “É a Hora!... Babilónicos, façam-na acontecer!...”

 

sábado, dezembro 21, 2013

SANGUE DE MEU SANGUE...



Desdobra-se a mesa e a toalha alva
Como se o tempo fosse agora vivo e a memória
O gesto perturbado acariciando a pele macerada dos finados...

(E nesta ausência se despenhasse
A cúpula emoldurada dos dias pregoeiros...)

Respondem à chamada um a um em volta
Da azulada luz quais inesperados fulgores
Que medeiam o frio e a chama e os clarões
Acesos como rasgões de alma em sintonias
Ancestrais outrora latejantes como arados
Galgando terra chã...

Vergo-me, (perante os mortos). E ergo-me.
Que a hora é de bênçãos
E de tecer liames como se meu corpo fosse passagem
Ponte entre margens ou inscrição ou barro amassado
Ou casulo que guarda os ténues fios...

E minhas mãos fossem cadinho ou pedra de ara Ou exorcismo marcando os sinais. E meus olhos
Fossem guarida e lume.

E meu sangue fosse pasto E carne da minha carne...

E o grito da Humanidade...


Manuel Veiga
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Saudações Amigas
Votos de feliz Natal ( enfim, se possível!... )

 

 

 

terça-feira, dezembro 17, 2013

quarta-feira, dezembro 11, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLV

Em Babilónia os ricos estão a ficar mais ricos e os pobres cada vez mais pobres...
 
Nada que os babilónicos não sintam na carne...
 
O merceeiro-mor do reino, arrotando milhões e impante de presunção e cupidez, reclama uma “democracia musculada” e um governo (de união nacional) para dez anos – pois que Babilónia não “pode estar constantemente a mudar quando há eleições”...
 
Caso para Hammurabi, o legislador, por as barbas de molho, murmura-se na praça... Patético, porém, insiste que Babilónia está no bom caminho – que não há futuro fora da sua salvífica Palavra...
 
Em verdade, já ninguém o leva a sério...
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E um velho resistente, carregado de memórias – “Babilónicos não se iludam e resistam - sabe-se como as ditaduras começam, nunca se sabe quando acabam”...
 
 

quinta-feira, dezembro 05, 2013

AURORAS DE FRIO...


Sob a dominância dos escombros e dos dias gelados
Tacteiam os dedos a fina película dos muros
Em que a metamorfose da cal se desvanece
Como palavras gastas ou fomes caladas
Sem reverso...

Somos esta profusão de sombras por onde sobem
Como larvas tecendo o casulo e a teia nossas dores
Na amargura dos dias e no degredo das paisagens
Clarins sorvendo a alvura do silêncio
E sem nada mais restar que o sopro
E a inversão meteórica das vozes em polifónicos
Cânticos calcinados...

Nada sugere outra luz ou outra vibração
Que não seja o lusco-fusco e a palidez dos dias saturninos
Ou auroras de frio...

E no entanto o grito sufocado dos dedos
E os lábios gretados balbuciam inesperadas correntes
E águas soltas e margens extravasando percursos
Percorridos.

Subtis incandescências no topo das montanhas
Ou o delírio de pássaros
A balancear o voo...

 

sábado, novembro 30, 2013

OS PORTÕES "SAGRADOS" DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA


Magnânima e maternal, a senhora Presidente da Assembleia da República, veio publicamente afirmar, após a poderosa manifestação das forças de segurança, frente ao Parlamento, que era salutar “ver os cidadãos baterem à porta da democracia”, ou seja, aquele local constituir-se repositório de todas as queixas e a expressão de todos os descontentamentos.

Não tenho bem presente, mas se não estou enganado, a distinta senhora designou, na oportunidade, o Parlamento como “a casa do povo”, numa clara demonstração da centralidade política da Assembleia da Republica, no contexto dos órgãos de soberania, como instituição democrática por excelência, fundada na representatividade popular.

Só lhe caiu bem o gesto e a solícita palavra...

Acontece, porém, que, de imediato, a senhora Presidente se aprestou a acrescentar, em sua emergência mediática, tendo certamente ainda vivos os gritos indignados dos agentes de segurança que as “portas da Assembleia da República são sagradas”, como quem lembra a presentes e futuros manifestantes que não poderão, em circunstância alguma, “franquear os portões sagrados” do Parlamento.

Julgo haver aqui um manifesto exagero, ainda que as palavras sejam tomadas pelo seu valor simbólico. É que, apesar dos vetustos leões, que orlam a frontaria, nem o edifício da Assembleia da República é um “templo”, ainda que profano, nem nos dias de hoje, a palavra da lei, sábia e perene, é gravada em bronze com línguas de fogo...

Pelo contrário, os poderes de soberania e, em especial o poder legislativo, são cada vez mais frágeis e precários, nesta curva acelerada dos tempos, corroídos pela pulsão do lucro e a financeirização da economia, à escala mundial. E, sujeitos tais poderes aos percalços inesperados da história, que inelutavelmente prossegue seu trilho e cuja incerteza de seus liames, porventura, aguçam a palavra condescendente da excelsa senhora, precavendo-se dos seus perigos.

Mas sobretudo o poder legislativo, que melhor ninguém Sua Excelência deverá conhecer, é cada vez mais fraco, capturado sem pejo, nem vergonha, pela promiscuidade entre poderosos interesses económicos e o poder político e que tem expressão pública nos contractos de outsourscing, em prejuízo das funções da administração pública, com gabinetes de estudo e sociedades de advogados, muitos dos quais são deputados.

O desaforo, neste plano, vai ao ponto, de um dos sócios de uma dessas “instituições industriais do exercício da advocacia” ter recentemente defendido publicamente que as principais sociedades de advogados “deviam ser envolvidas, por parte do Estado, nas questões respeitantes aos grandes interesses públicos”, sem que se conheça uma palavra de repúdio por parte da senhora presidente da Assembleia da República.

Como também não se conhece uma palavra de Sua Excelência, breve que fosse, sobre os desbragados ataques à soberania do Estado português, provinda do quadrante político onde se move, máxime os ataques ao Tribunal Constitucional pelo senhor Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia e seu ilustre correligionário político.

Parece haver, assim, no ilustre zelo de Sua Excelência sobre os portões da Assembleia da República, mais que um equívoco, uma clara inversão de valores e prioridades. Realmente, como compaginar, as ansiosas preocupações de Sua Excelência com a dignidade da Assembleia, quando este órgão de soberania é corroído no seu interior por interesses espúrios?

É que de facto, lá no alto, para além dos vetustos leões que, simbolicamente se erguem como “guardiães do templo” e que assistiram, impotentes e mudos - coitados! - à ocupação das escadarias, a frontaria da Assembleia é também orlada com as estátuas da Justiça e da Força e, do outro lado, da Prudência e da Temperança, virtudes tão afastadas da acção legislativa.

Bom seria, portanto, que para além de afagar amorosamente a juba dos vetustos leões, Sua Excelência velasse também para que essas virtudes e, em especial a Justiça, fossem o alfa e o ómega da actividade do órgão de soberania, a que distintamente preside.

domingo, novembro 24, 2013

DERBY - Sub 8 anos



De lance em lance, António
Até ao afoguear
Do rosto...


Que o esforço
Não quer limite
E o sangue ferve
No limiar do grito...

E quando aflito
Sabe que a teu lado
Corre solidário
O companheiro
Que espera o passe...

E mais à frente
Rente
À linha
Outro se ergue
Fintando
O ímpeto
Do adversário...

Que outra coisa
Não é, António, senão o outro lado
Do jogo
Que dá sentido
E embriaguez
Ao teu cansaço...

Em ambos os lados
Porém mais que vitória
Ou a derrota
É suor com suor
De homens (pequeninos)
Misturado...




 



sexta-feira, novembro 22, 2013

NOTICIAS DE BABILÓNIA XLIV


Com o barco atascado, aumentam a fome e o desespero, em Babilónia - e cresce a barafunda na praça...

Mal paga e andrajosa, a guarda sai à rua e ameaça. Ex-Hammurabi, o bochechas, invocando velhas glórias (e esquecendo antigas culpas), insurge-se, clama e reclama...

Hammurabi, o moderador, remói azedumes. Cala-se – e nega-se provedor do Povo e defensor do Reino...

Há quem diga que o poder de Hammurabi, o legislador, está por um fio - preso ao manto lasso de um acaso...
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E um sindicalista resiliente, caldeado em mil lutas: “Quem semeia ventos, colhe tempestades - babilónicos, reforcemos a unidade!...”

 

quinta-feira, novembro 14, 2013

O DESPREZO PELOS MANIFESTANTES DA CGTP - JOSÉ PACHECO PEREIRA



“Uma coisa que mostra como quem está do lado do poder não percebe (ou melhor não quer perceber), o que está a acontecer em Portugal, é o modo como exibem um racismo social com os manifestantes da CGTP, tão patente nos comentários à saga da ponte. Pode não ser deliberado, mas sai-lhes do fundo, naturalmente.
 
Os filhos dos comentadores e opinadores podem ir às manifestações dos “indignados”, que são aceitáveis, engraçadas e chiques, e que tem muita cultura e imaginação, mas nenhum irá às da CGTP. Eles “são sempre o mesmo”, ou “mais do mesmo”, eles são “pouco criativos” que insistem em fazer manifestações “que não adiantam nada”. Eles são “os feios, os porcos e os maus”.
 
Os manifestantes da CGTP não são da classe social certa, não ambicionam ir tomar chá com Ricardo Salgado, ou ir comer aos restaurantes da moda, não são frequentáveis e, ainda pior, não se deixam frequentar.
 
Têm, muitos deles, uma vida inteira de trabalho e de muitas dificuldades. Tem um curso, uma pós-graduação e um doutoramento em dificuldades. São velhos, um anátema nos nossos dias. Tiveram ou tem profissões sobre as quais os jornalistas da capital não sabem nada, foram corticeiros, mineiros, soldadores, torneiros, mecânicos, condutores de máquinas, pedreiros, ensacadores, motoristas, afinadores, estivadores, marinheiros, operários têxteis, ourives, estofadores, cortadores de carnes, empregados de mesa, auxiliares educativos, empregadas de limpeza, etc., etc.
 
Foram e são cozinheiros e cozinheiras em cantinas, e não chefs. E foram ou são, professores, funcionários públicos, enfermeiros, contabilistas.
 
Este desprezo social é chocante quando é feito por quem tem acesso ao espaço público e que trata os portugueses que se manifestam, - e, seja por que critério, são muitos, pelo menos muitos mais, muitíssimos mais dos que estariam dispostos a vir para rua pelo governo, – como uma “massa de manobra” do PCP, que merece uma espécie de enjoo distanciado, umas ironias de mau gosto e um gueto intelectual (...)”
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segunda-feira, novembro 11, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLIII

 
Hossana, Hossana!... Glória aos Céus e à Sociedade Civil – finalmente, boas notícias para Babilónia...
É certo que o barco contínua atascado e os babilónicos na penúria.
Mas os sem-abrigo da cidade têm agora, num qualquer jardim ou espaço público, um cacifo. Ao seu dispor – onde poderão guardar a parca trouxa...
E partirem, assim, mais lestos, a calcorrear as ruas, em busca da sopa da caridade...
Hammurabi, o legislador, exulta – os babilónicos empobrecem; perdem o trabalho, a saúde, a escola, a dignidade e a casa – mas nunca um cacifo lhes irá faltar, como coisa sua...
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Até um velho anarquista, rouco de tanto gritar que a“propriedade é um roubo” se comove e rende: “Valha-nos a Santíssima Propriedade!...”

quarta-feira, novembro 06, 2013

VESTE-SE O OUTONO DE MOSTOS...


Veste-se o outono de mostos e fermentam
Sabores na glória dos frutos que as bocas
Salivam
Tão maduras
Que se desprendem
Como promessas em zénite
Atordoadas em mel
Quais corolas
Soltas em voo de línguas suculentas...

Impúberes os sonhos. Ainda
Que humedecem os olhos
De tão claros.

Azul
Na vertigem
E no alvoroço
Cinzento na hora da chegada
Como restolho depois do dia
Ou despojos
Diurnos
Antes da noite
E do frio...

De nada vale o doirado das vinhas
Nem a plangência do sol
Nem o vigor íngreme
Dos passos
Na cadência das montanhas.

Nem a vindima.
Nem os cestos...

O outono é esta memória cálida
Fogueira onde soletro meu corpo aceso
E cato meu piolho (existencial)
E minha sarna...

Dulcíssima flama em que me embalo...

segunda-feira, novembro 04, 2013

ALBERT CAMUS - a Liberdade e a Justiça...

 
“A revolução do século XX separou arbitrariamente, para fins desmesurados de conquista, duas noções inseparáveis. A liberdade absoluta mete a justiça a ridículo. A justiça absoluta nega a liberdade. Para serem fecundas, as duas noções devem descobrir os seus limites, uma dentro da outra.
Nenhum homem considera livre a sua condição se ela não for ao mesmo tempo justa, nem justa se não for livre. Precisamente, não pode conceber-se a liberdade sem o poder de clarificar o justo e o injusto, de reivindicar todo o ser em nome de uma parcela de ser que se recusa a extinguir-se.
Finalmente, tem de haver uma justiça, embora bem diferente, para se restaurar a liberdade, único valor imperecível da história. Os homens só morrem bem quando o fizeram pela liberdade: pois, nessa altura, não acreditavam que morressem por completo...”
 
Albert Camus, in "O Mito de Sísifo"

sábado, novembro 02, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLII


Em Babilónia prossegue a falta de pão. E a barafunda...

Sub-Hammurabi, o embusteiro, tira da cartola o “guião”. Para leiloar – como sucata - a carcaça do velho barco atascado...

Salta sobre todas as “linhas vermelhas” por si traçadas - e, devoto, invoca em vão a restauração da Pátria.

A praça ensurdece os ares com assobios...
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E um velho aposentado, orgulhoso e alquebrado de fadigas: “Roma não pagava a traidores - defenestrem-no, babilónios!... Sejam dignos do passado! “

 

segunda-feira, outubro 28, 2013

NOTÍCIAS DE BABILÓNIA XLI


Após longo meditar no deserto de “Science PO”, ex-Hammurabi, o filósofo, desce à praça e distribui, magnânimo, pérolas de sabedoria. E azedas recriminações contra Hammurabi, o legislador...

E como o povo ignaro não é digno do tamanho de seu umbigo, o ex-Hammurabi, o filósofo, garante jamais voltará, “nem ficará dependente dos favores do povo...”

Os babilónicos entreolham-se, perplexos, com semelhante “pérola”. E, com o barco afundado, encolhem os ombros, resignados...
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E um velho alfarrabista, que merecia ser Chefe de Estado:

“Nada de novo debaixo do Sol. Os dois Hammurabi  são as duas faces da mesma má moeda - procuram expulsar a moeda boa...”

 

sexta-feira, outubro 25, 2013

PÓRTICO DOS DIAS CLAROS...


Quando no prumo dos dias
Os passos em zénite
Desafiam a distância
Como asas...

E as montanhas se abrem
Ao eco de indizíveis nomes
Que soletro e
Esgravato na urze
E no cardo...  

E sol se verga
Em curva
E a sombra se encaminha no pastoreio
Da memória...

Quando a coruja de Minerva
Solta seu grito
E seus prenúncios...

E o bronze dos portais
Se abre aos murmúrios
E ao cântico
De velhas e novas carpideiras...

Afasto o bordão do tempo
E nas entranhas
Das aves
Exorcizo meus presságios...

E ergo minha taça
De vinho e fel...

E no rosto cansado dos homens
E no negro das mulheres
De outrora

Inscrevo então minha insígnia
De cinza e água
No pórtico
Dos dias claros...

Manuel Veiga

 

 

quarta-feira, outubro 23, 2013

QUOD VADIS, DEMOCRACIA?

 
Como por certo terão presente, a democracia representativa, oriunda da Revolução Francesa é enformada, fundamentalmente, por dois objectivos fundamentais. Por um lado, a consagração do direito dos povos a escolher o tipo de sociedade em que pretendem viver e, por outro lado, dotar os povos de uma forma de autogoverno que administre os bens comuns e o interesse colectivo (os “negócios públicos”) de acordo com a vontade maioritária.
 
Para tanto, os povos europeus continentais estabeleceram o modelo jurídico das constituições escritas, onde são vertidos os direitos e garantias individuais dos cidadãos e que, posteriormente, no decurso do seculo XX, mediante a luta dos povos, foram alargados aos direitos económicos e sociais.
 
No estrito plano do autogoverno da sociedade, as constituições prevêem os princípios da separação de poderes, (poder legislativo, poder judicial e poder executivo) e o sufrágio popular como método de legitimação do poder. A emanação do poder executivo (governo) provém da assembleia legislativa, que perante ela responde politicamente, uma vez que as assembleias se constituem como fonte de legitimidade do poder executivo.
 
Importa ainda considerar que o poder orçamental, tão relevante na actualidade, é nas constituições modernas reserva das assembleias legislativas. De facto, a matéria de lançamento e cobrança de impostos e outras obrigações fiscais, inscreve-se no âmago da tensão democrática, pois que a insurgência da revolução liberal foi em boa parte determinada pelas arbitrariedades do poder régio no lançamento e arrecadação de impostos.
 
Compreende-se assim que os legisladores da primeira assembleia constituinte, após o triunfo da revolução, não tenham alienado esse poder, como forma de manter o controlo dos cidadãos sobre a cobrança de receitas e realização de despesas por parte do poder executivo.
 
Assim, a questão da aprovação do Orçamento do Estado é uma questão nuclear ao regime democrático. Não uma questão técnica que, a retalho, se limite a produzir cortes cegos nas despesas e onerar sempre os mais fracos e que uma qualquer maioria parlamentar acéfala poderá sempre carimbar. Pelo contrário, trata-se antes de uma questão essencialmente política, pois que envolve, como dizem os estudiosos destes assuntos, uma “decisão sobre fins” e não uma “mera decisão técnica sobre meios”. 
 
Aliás, vem a talhe de foice lembrar aos deuses da hora presente – os mercados - e seus sacerdotes internos e externos que, nesta secular nação europeia, já nas cortes de Coimbra de 1385, se fixava o prévio conhecimento dos povos ao lançamento de impostos, pois que “é direito que às coisas que a todos pertencem e de que todos tenham carrego seja a elo chamados”, como então foi proclamado.
 
Distantes são esses tempos matinais. E o fervor democrático de “velhas” revoluções...
 
Hoje, face as peripécias do Orçamento de Estado 2014, ficamos sem saber o que mais nos deve indignar: se a iniquidade das suas propostas ou se a arbitrariedade de seu método. O resultado, em qualquer dos casos, bem se sabe, é o doloroso sacrifício de muitos para enriquecimento de uns quantos...
 
O orçamento será formalmente aprovado em breve na Assembleia da República, com toda a certeza. Porém, a discussão e toda a tramitação do processo legislativo não passará de uma verdadeira mistificação. Os deputados da maioria defenderão sua dama. Os deputados da oposição, com mais ou menos convicção, conforme o arco parlamentar, denunciarão atropelos e iniquidades e votarão contra.
 
O presidente da República, como é seu timbre, “fará de conta”...
 
Mas todos sabem, (como nós sabemos que eles sabem) que o Orçamento de Estado 2014 está pré-determinado e que a discussão à sua volta não passa de um mero “jogo de sombras”. O governo jurará pela alma dos seus defuntos, que este orçamento é obra sua – o que não deixa de ser verdade, mas traçado, em seus contornos e pormenores, pela mão zelosa da tróica.
 
E pela vigilância atenta da Comissão Europeia, que confisca a soberania do País e impõe, através dos seus regulamentos (Reg/EU/nº473/2013) que o orçamento do Estado, tendo em vista a sua “validação”, seja conhecido pela burocracia comunitária, antes de ser conhecido na Assembleia da República pelos representantes eleitos do povo português.
 
Quod vadis Europa, quo vadis Democracia?
 
Nesta Europa da “austeridade”, súbditos de uma tirania sem rosto nos querem transformar.
 
Se os deixarmos...
 
 
 
 

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...