domingo, agosto 28, 2011

A "SEMÂNTICA" DA TRIBUTAÇÃO DOS RICOS...



Como sabemos, os factos sociais são significantes, ou seja, são como agora se diz, portadores de uma narrativa, que ganha sentido no contexto em que se desenvolve e da permeabilidade de cada sujeito ao discurso (ideológico), que expressam…

Quer dizer, qualquer actividade humana, seja na linguagem falada ou escrita, na liturgia da acção política, no “determinismo” da economia, ou na imprevisibilidade das pulsões sociais, qualquer discurso vale sempre mais que o seu estrito “valor facial”…

E quando os acontecimentos explodem em dimensão planetária, o sentido repercute-se numa profusão de leituras, que subvertem, tantas vezes, a expressividade originária e os acontecimentos, em si mesmos, ficam reféns das interpretações que deles se apropriam.

Por outras palavras, a “semântica” tende a encobrir esta realidade…

Explico-me. Como se sabe, recentemente, um multimilionário norte-americano, em artigo irónico, lançou o lancinante queixume para que os poderes públicos “deixem de mimar os ricos”, reclamando ser mais tributado para ajudar a saída da crise económico-financeira, com que o mundo se debate...

Ao que parece, o apelo repercutiu-se neste lado do Atlântico, com abaixo-assinados dos próprios multimilionários, por essa Europa fora, a “exigirem” serem mais tributados e os governos - finalmente! – tentados a fazer de conta que sim, que vão tributar os ricos… Até cá pelo burgo, se arma o palco para fazer a festa, isto é, convencer o pagode que os ricos vão pagar impostos decentes.

Na realidade, não sendo previsível que os multimilionários deste mundo se tenham conjugado todos para passarem, ao mesmo tempo, pelo “buraco da agulha” e, biblicamente, alcançarem o reino dos Céus, não pode deixar de causar estranheza esta pulsão generosa dos ultra ricos, quando muitas dessas fortunas assentam na exploração mais desbragada, se não mesmo na ilegalidade e no crime…

Mas compreende-se a lógica – o capitalismo não dá ponto sem nó!... Face a esburacada economia e à violência das desigualdades sociais, uns míseros 3%, mesmo que nada adiantem para resolver a crise, sempre darão para lavar a face, antes que os deserdados da história, lhes batam à porta. E não, certamente, para comerem brioches, mas para exigirem justiça…

E, se dúvidas houvesse (ou para quem ainda tenha dúvidas), estas cenas de ópera bufa demostram a evidência, a total perversão da soberania Estado nas chamadas democracias ocidentais. O Estado foi expropriado de seus poderes, designadamente, dos seus poderes tributários.

São os “donos do mundo” quem diz se e quando paga impostos… Temos, portanto, a “colonização”, sem disfarce, do Estado pelos interesses de uma clique de poderosos.

E, quando assim é estamos próximos de atingir o “grau zero” da política …

Remanesce ainda uma questão que diz respeito aos “nossos” ricos caseiros. Ao que parece, apesar do debate sobre a matéria, que prossegue por essa Europa fora, “os mais ricos de Portugal” (ou pelo menos a maioria) torcem o nariz à ideia da pagar mais impostos, sobretudo sobre o património, quando os trabalhadores e os mais vulneráveis da sociedade apertam o cinto, em nome do esforço patriótico de recuperação financeira do País.

Mas os “mais ricos”, não! A Pátria para eles é o tamanho do respectivo património, a salvo de impostos em algum paraíso fiscal. Já se sabia e agora comprova-se – a nossa burguesia endinheirada é rapace e unhas-de-fome!...

Tanto que até dói!... Uma tristeza!... Apetece mesmo desabafar que também com os ricos (como acontece com a relva) são necessárias gerações para cultivarem alguma categoria…

    







     







      


terça-feira, agosto 23, 2011

DEAMBULAÇÕES DE VERÃO - II PARTE

José Madrazo - "A Morte de Viriato"
copiado da NET


Haja Deus e promessas cumpridas!... Ainda os “escassos minutos” não haviam decorrido já o viajante estava sentado à mesa, no outro extremo da sala, que o seu ocasional amigo, despindo-se de cerimónias e salamaleques, que por bem achou dispensáveis, lhe apontou com o dedo, à distância.

A localização da mesa era de facto excelente, junto a uma janela rasgada, donde se alcançava todo o vale. E, do outro lado, toda a extensão do restaurante e seu infatigável borborinho. Tudo pois sinais promissores, tanto mais que a mesa fora coberta com imaculada toalha de linho, que sua Mulher percorreu com os dedos, deliciada, na busca da textura do tecido e da delicadeza dos acabamentos…

Absorto na abordagem da ementa, entre um relance distraído pela sala e atracção da paisagem, o viajante não se dera ainda bem conta dos circunstantes comensais. Percebeu apenas que estava suficientemente afastado “dos bárbaros” para não ser confundido. E isso lhe bastou, de momento, perante a instância do estômago em protestos.

Acordou, pois, para a realidade circundante, apenas com o discreto murmúrio de sua Mulher: - “Aquela não é a Cremilde, ali na mesa ao lado?”. Entre o incrédulo e o irónico, o viajante girou meio corpo na cadeira, enquanto resmungava: “Que ideia! Isso é obsessão tua. Em cada mulher com bigode tu vês a Cremilde!”.

Verdade, verdadinha, a última coisa que o viajante desejaria era encontrar, naquelas paragens, a vizinha do 5º Direito (quem disse que o “pecado mora ao lado”?) do prédio onde habitam, nas proximidades de Lisboa.

Devo esclarecer que a Cremilde é viúva de um tipo da marinha, morenaça, sempre a explodir em seus tailleurs coleantes, que o viajante jurou um dia apresentar a seu amigo Zeca, (esse tal – lembram-se? - o alentejano de Beja, solteirão impenitente e protector de donzelas desvalidas) mas que, vá lá saber-se a razão, sua Mulher detesta cordialmente, no que, advinha-se, é mutuamente correspondida…

Não era, pois, a Cremilde na vizinhança, o que foi um alívio… No entanto, poderia sê-lo, tais as semelhanças dos traços fisionómicos, que remetiam de uma para a outra e que assumiam, na réplica rural, exageros de caricatura da Cremilde suburbana. E, não apenas no bigode, mas também na verruga do rosto, na expressão desconfiada do olhar, ou no porte avantajado de legionária …

O equívoco teve, pois, o condão de despertar o viajante de seu torpor. E, a partir dai, passou a prestar atenção aos comensais mais próximos, distribuídos por extensa mesa, a toda a largura do restaurante. Manifesto era terem descido da serra para os eufóricos festejos cívico-religiosos, certamente enfileirando nos arrebanhados (e por certo assanhados) aplausos à da comitiva oficial…

Eram para cima de dezena e meia naquela mesa, se contarmos as irrequietas crianças, que exibiam o troféu das bandeirinhas, com que haviam, momentos antes, acenado, lá fora, à luzidia comitiva…No topo, com o marido à ilharga, a “legionária Cremilde”, a quem nada escapava no horizonte do repasto - nem reclamações aos empregados, nem escolha dos pratos, nem recriminações às criancinhas, nem sequer a sequência das conversas e gargalhadas.

Luzia, pois, como um farol naquele mar de contentamento, em seu redor!... Uma vera e fera matriarca beirã, em seu esplendor de apascentar seu clã, sem fissuras aparentes, em sua heteróclita composição...
………………………………………

Chegado a este momento da narrativa, não sabe muito bem o viajante como prosseguir. E quando assim acontece, o viajante em vez de se calar, como o bom senso impõe, dá-lhe para transfigurar a realidade ao sabor da fantasia. Como caçador de imagens que acrescenta um ponto ao conto…

E é assim que o viajante, arrastado pela fibra e imponência da “Cremilde”, se vê impulsionado para os Montes Hermínios e, num lance digno Asterix, reconhece a bravíssima heroína, nas hordas de Viriato, a desancar os “bárbaros do Império”, aqueles ignaros romanos, que sustentam sermos “um povo que não se governa, nem se deixa governar…”

Verdade ou mentira?! ... Certo, certo é que o Céu teima “em cair sobre a nossa cabeça!...”

sexta-feira, agosto 19, 2011

DEAMBULAÇÕES DE VERÃO...


Serpenteando a estrada, durante horas, sob o calor tórrido de Agosto, em processo inverso ao de Jacinto, nas “Cidades e as Serras”, a chegada ao restaurante é um momento glorioso e redentor…

Não pela fumegante canja de galinha que, decididamente, tem o amor do viajante, nem muito menos pelo horizonte literário (que bem conhece o viajante seus limites), nem sequer - vejam bem! - pelos cambiantes da paisagem, pois se o Jacinto arrostou seus martírios, trepando de mula, pela famosa serra de Tormes, o viajante, esse, afadigou-se circulando de automóvel (e ar condicionado) pelas fraldas da serra da Estrela, que ao outro dia haveria de subir até a majestade dos seus cumes.

Mas isso serão contas de outro rosário, se a tanto o viajante se dispuser a contá-las!...

No caso, a vaga similitude, que o viajante teima em encontrar, residirá tão-somente na benigna bênção da chegada, no alívio dos ossos doridos e na paz redentora, pois que, digam o que disserem estóicos e moralistas, um bom descanso e uma boa refeição reconfortam a alma.

Assim deveria ter sido, certamente, a beatífica emoção de Jacinto, após a canja!...

Não sabe o viajante se algum dia contou seu gosto por restaurantes. Não que seja expert ou requintado gourmet. Nada disso!... Mas desde que, em tempos idos, se aventurou pelas minudências antropológicas de “O Cru e o Cozido” sabe que a cozinha também “fala”, isto é, revela as idiossincrasias de um povo; e, sobretudo, aviva a memória de sabores e odores antigos, em que o viajante insiste em mergulhar …

Desceu, pois, o viajante as escadas interiores, que idas da recepção do pequeno hotel, levam ao desafogado restaurante, com janelas debruçadas sobre luxuriante paisagem.

O viajante já ali estivera, em época de inverno. Quase deserto então o restaurante - com a lareira ao fundo, o ambiente dir-se-ia a reconstituição da sala de jantar de alguma dessas casas beirãs mais abastadas, que hoje são resquício apenas, submergidas pelo inexorável decurso das mutações sociais.

Mas desta vez não. O restaurante estava repleto. E o viajante, nesse seu jeito de dissolver contrariedades em ironia amarga, resmungou para os seus botões: - “Gosto de restaurantes cheios!...”

Porém, as palavras, que não deveriam extravasar o domínio de um desabafo íntimo, certamente impulsionadas pela veemência do desencanto, foram ecoar nos ouvidos atentos do gerente, que solicito se aproximava de carta em riste: - “Um restaurante cheio é sempre um bom sinal!...”, protestou ele com gentileza.

Mais a mais - acrescentou – “não teria o viajante senão que esperar escassos minutos, pois estava a vagar uma mesa para duas pessoas, lá ou fundo junto à janela”…

Dulcificado um pouco no seu humor, pela sensatez da sentença e pela perspectiva de desfrutar cabrito e paisagem, o viajante amaciou o azedume.

E a impulsiva réplica que, no calor das circunstâncias, procuraria saber se “o bom sinal” seria a benefício dos viajantes famintos ou do nutrido proprietário do hotel, não passou, por isso, de fingida provocação, sabe-se lá se a dissimular uma inquieta busca de cumplicidade…

Diga-se de passagem, que desde uma visita a Cuba, há uns bons anos atrás, o viajante tem excelente imagem da subtileza dos empregados de hotéis e restaurantes e da sua penetrante capacidade de lerem nas entrelinhas de um qualquer discurso.

Por isso, o viajante, carregando a ironia, ciente de que “a crise” seria chave no sentido e no fluir da conversa, atirou: - “Pelo que se vê, por aqui não passa a crise!...”

O homem sorriu, fitando o viajante com seus olhos perspicazes. E bem percebeu então o viajante, que naquele sorriso e no (inter)dito das palavras se filtravam mensagens de (re)conhecimento mútuo, em ideário comum, imune aos percalços da vida,

- “Não se fie nas aparências, amigo!...” – E rematou, enquanto aviava uma conta: - “Hoje é dia de festa, os bárbaros desceram à cidade!”...

De facto, assim parecia. Soube depois o viajante que, de manhã, uma luzidia comitiva ministerial havia percorrido as ruas da simpática cidadezinha...

Seja como for, também o viajante por momentos esqueceu a crise…

(Continua)











       

quarta-feira, agosto 17, 2011

sexta-feira, agosto 12, 2011

GLÓRIA DE ARDER. APENAS...


Abre-se a palavra. Incipiente.
Ao corpo da escrita
Antes dela, murmúrio.
Depois o vazio.
Ou quase...

Cinza. Ainda quente.

Mosto de vinho
Fermento
Ardendo
Na glória de arder
Apenas...

Morrinha. E cisco…

Cadinho de pedra. Amorfa.
Alquimia frustre
Que queima
Em porquês de nada...

E neste ledo engano
(Lúcido embora)
Da palavra dita
Alimento
Minha fome.
















quarta-feira, agosto 03, 2011

"SAIR DA SOCIEDADE MERCANTIL..."



Não é a primeira vez que vos falo deste livro.
Uma boa sugestão para férias!
Enfim, digo eu que ainda tenho férias...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...