sábado, agosto 28, 2010

Luz de nevoeiro...

Queimam-se as barcas. As pontes são agora gume de facas
E o tropel dos cavalos na urgência. Sem glória.
E o sangue que teima. E queima...

Um nome apenas. Uma letra disfarçada. Uma quimera.
Uma bandeira sem legenda. Esta guerra é minha...

Miragem e duna. Destino de argonautas e guerreiros.
Que aos pés do Tempo se rendem.
E na derrota se revolvem.

Luz de nevoeiro...

E este vento da memória. E os milhafres.
E as entranhas da febre. E o cálice derramado
E os despojos nocturnos. Que vencidos se incendeiam...

segunda-feira, agosto 23, 2010

A HERANÇA REPUBLICANA...



"Um século depois do 5 de Outubro, a I República é ainda hoje lembrada pela revolução política que lhe deu origem.

Contudo, a República e o Republicanismo foram, antes de regime, um movimento cultural regenerador que, para além da mudança do sistema monárquico, pugnava pela democratização da sociedade portuguesa, pela laicização das instituições e das consciências e pela modernização económica e social de Portugal.

Para os homens de 5 de Outubro, a República era o "fim da História". Animava-os uma dimensão ética nova, sustentada sobre o culto da vontade, sobre a ética da honradez e sobre o amor à Pátria e à Humanidade. "Cavaleiros do Ideal", ambicionavam conquistar os seus concidadãos, pela instrução e pela devoção cívica, para uma atitude optimista de combate à descrença e ao indiferentismo político.

Passados 100 anos, o 5 de Outubro congrega-nos numa herança humana, política e histórica inquestionável. Em primeiro lugar, como um momento de ímpeto único e de crença optimista na superação das dificuldades colectivas da nação.

Depois, como uma experiência social, política e cultural riquíssima que pôs em evidência os valores e os limites da nação e a sua capacidade para delinear as estratégias mais adequadas à construção do futuro.

Por último, como um projecto político empenhado em alicerçar a unidade nacional em torno da modernidade e dos valores liberais e democráticos que orientam as sociedades mais avançadas e igualitárias do mundo contemporâneo."

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Do Programa da Exposição "Viva a República"- edifício da "Cordoaria Nacional" - Belém - Lisboa.


quinta-feira, agosto 19, 2010

O gelado...

Dois rectângulos concêntricos e uma rua perpendicular em direcção à praia, definem a centralidade da simpática vila. Bordejando o rectângulo exterior, restaurantes e amplas esplanadas que, nas noites encaloradas, regurgitam.

Ultrapassada linha da rua, o rectângulo exterior encolhe, proporcionalmente, em cada lado, e define uma praça aprazível, onde a criançada se solta e os velhos se sentam, reclinados em bancos de alvenaria. Ao centro um fontanário sem água...

E são, agora, os artesãos e artistas a colorir o rebordo interior da praça. Jovens, alguns deles com crianças pela mão, que, no jogo da vida e na falta de emprego estável, fazem seu ganha-pão, na vontade decidida de não baquear, derrotados. Comovente esta determinação...

A rua principal, descaída para o lado esquerdo estende-se, por uns cinquenta metros, em direcção ao marulhar das ondas, escondendo, lá ao fundo, na rarefacção da luz, sabe-se lá que amores ou pecados... De um lado e outro da rua, restaurantes e lojas de quinquilharias, hierarquizados no gosto e na qualidade, à medida em que se desce e se afastam o centro...

Do lado sul, encostada ao limite exterior da praça, uma capela setecentista convive, separada apenas por estreita quelha, com um apreciado bar, onde, uma vez por outra, se ouvem canções em voga. Cá fora, para compensar a limitada lotação no interior, um balcão provisório, em plena esplanada, que serve em pé, caudais de cerveja e outras bebidas.

Como se compreende, este é o centro daquele espaço fervilhante...

Acresce que, a escasso meio quilómetro, um parque de campismo alimenta, em vagas sucessivas, a fornalha crepitante dos corpos misturados. Nada os distingue, apenas o olhar atento. A grande fractura é apenas a idade...

Tive sorte naquela noite. Acabadinho de chegar à apinhadíssima esplanada, vagou uma mesa bem encostada ao bar, em local estratégico, que permitia desfrutar, em grande plano, o horizonte da praça e, em pormenor, olhar os rostos, assim próximos, na moleza da noite estival.

Enquanto bebericava um inócuo Favaios gelado (moscatel do Douro) e minha mulher o inevitável chá de ervas, dei-me conta do quarentão casal da mesa em frente, acompanhado de duas filhas, naquela idade indefinida entre juventude e a adolescência.

Todos enormes - não direi gordos, pois o excesso de “bagagem” era harmoniosamente distribuída por todo o corpo. Direi até que, nos gestos e no porte, transparecia uma certa elegância que fazia esquecer o óbvio excesso de peso...

À frente de cada um, uma vistosa taça de gelado. Que, com manifesto prazer, cada qual, saboreava, em seu estilo peculiar. Quase ao mesmo tempo terminaram, deliciando-se com a última gota...

Foi, então, que o homem, até aí de costas, se levantou. Dirigiu-se ao bar e, passados minutos, enquanto as mulheres tricotavam uma qualquer conversa, surge, glorioso, ostentando enorme e festiva travessa, engalanada com gelado de todas as especialidades, mediante as palmas das filhas e o sorriso dos circunstantes...

Como em ritual pre-estabelecido, cada um, com sua colher, atacou a montanha de gelado. Deliciados e indiferentes...

Pressenti alguma incomodidade inicial, no olhar, com que a menina mais nova, de vez em quando me brindava. À medida, porém, em que o gelado se derretia, também seu olhar. A vaga irritação deu lugar a uma discreta volúpia de gestos, em que o gelado e a boca, se transfiguravam em metamorfose do Desejo.

- “Talvez Eros seja um deus voraz e efémero, como gelado em noite de Verão”- murmurei para os meus botões...
(...)

(Fora eu escultor e gravaria, em pedra, o momento.)


domingo, agosto 15, 2010

Que dragões, que moinhos?

Que dragões, que moinhos
Em tal ímpeto?

Que Dulcineias,
Ou que ventos?

Que nereides insuflam tuas velas?
E que musas teu canto?

Quem do escudo o timbre?

Que odisseias, que bravatas,
Que Aquiles, que Bandarras?
Que caminhos, que impérios?

(Ou que pedras?)

Que Vieiras?

Quem teu sonho ungiu?
Quem do sal o sangue a latejar nas veias?
De quem o brio?

Que farei eu com esta espada?
Ergueu-a, e fez-se...”:

- Diz o Poeta,

António.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...