quarta-feira, fevereiro 10, 2010

“As leis dormem às vezes..."

As leis dormem às vezes, porém nunca morrem”, diziam os romanos. Lembrei-me desta provérbio latino a propósito do amontoado de factos, que as últimas semanas, têm desabado sobre a cabeça dos portugueses, apardalados com o deficit e com as diversas metamorfoses da crise...

Como se recordam, tempos atrás, com base nas escutas do célebre processo “Face Oculta” soube-se que o 1º Ministro de Portugal estaria a par da tentativa de aquisição de um canal de televisão, que lhe era incómodo, por parte de uma empresa nacional, onde o Estado tem posição accionista relevante e que, por isso, permite ao governo ter intervenção efectiva.

Lembram-se que o Primeiro Ministro mentiu ao Parlamento, quando confrontado com essa realidade, embrulhando-se, posteriormente, em embaraçosas explicações entre conhecimento particular e conhecimento oficial...

Entretanto, em palco mais discreto, quer dizer, num ignorado tribunal de província, corre seus termos um escaldante processo-crime, ao abrigo do qual foram constituídos arguidos diversas figuras públicas do séquito do Eng.º Sócrates e no qual os magistrados consideraram que, face aos meios de prova recolhidos, se verificam indícios do gravíssimo crime de “atentado contra o Estado de Direito”, imputado ao 1º Ministro de Portugal...

Conhecem-se os desenvolvimentos. Os magistrados titulares do processo, por falta de competência para instaurar e instruir um processo-crime ao 1º Ministro, remeteram o assunto para as instâncias próprias, ou seja, o Procurador-geral de República e, subsequentemente, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

A partir daqui, adensa-se o trama judicial. No meio de intenso (e profícuo) debate público do “mundo jurídico”, as instâncias superiores do sistema de Justiça, mantiveram opinião contrária à dos magistrados de 1ª instância e não valoram os factos participados.

Considerou o senhor Procurador Geral da República não se verificarem os pressupostos do crime indiciado e o senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou serem nulas e mandou destruir as escutas em que o 1º Ministro fora apanhado, por não terem sido autorizadas pela entidade judicial competente, ou seja, exactamente o Presidente do STJ.

Porém, conforme a opinião pública começa a perceber, as decisões das instâncias superiores de Justiça, estão (tudo indica) maculadas na sua génese. Por um lado, importa recordar que prestigiados juristas mantêm opiniões divergentes da doutrina perfilhada pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos fundamentos jurídicos da decisão de não valorar as escutas e as mandar destruir.

Por outro lado, não será despicienda a qualificação do crime como “atentado contra o Estado de Direito”, pois seria inconcebível que magistrados judiciais responsáveis se aventurassem por tais territórios sem indícios fortes, que suportassem as suas teses. O que, de facto, agora parece decisivamente confirmar-se...

Na realidade, segundo a imprensa, citando excertos das escutas telefónicas, extraídos do processo “Face Oculta” e ignorados pelos órgãos supremos do sistema de justiça, em seus doutos despachos, terá havido um plano, não se sabe ainda se, por iniciativa ou conivência do Engº José Sócrates, 1º Ministro de Portugal, tendo em vista tomar o poder no célebre canal de televisão que tantos engulhos causava.

Tudo isto vem na imprensa, ponto por ponto. Com factos e nomes...

Face a estes novos desenvolvimentos, compreendem-se a perplexidade da opinião pública e a atenção que o assunto está a merecer na Assembleia da República, no plano político. Porém, mais que a condenável actuação do Eng.º Sócrates, que deixou de surpreender, escandaliza a actuação dos órgãos superiores do sistema de justiça.

Mais preocupados, porventura, em resguardar o Eng.º Sócrates dos pingos da borrasca, do que em perseguir a justiça material, refugiaram-se o senhor Procurador Geral da Republica e o senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça em expedientes formais e consagraram, definitivamente, no plano judicial, a “inocência” do senhor 1º Ministro.

Poderá, certamente, tão zelosa actuação ser prenhe de méritos insuspeitos. Não deixa, porém, de causar profundos rombos, porventura irrecuperáveis, na autonomia do Ministério Público e na independência dos Tribunais.

Obviamente, demitam-se...
E talvez o ar fique mais respirável!...


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Este texto nada tem a ver com movimentos e tomadas de posição colectivas, que respeito, mas que não têm a adesão deste blog...

17 comentários:

lino disse...

Como as notícias do órgão da Opus Dei e da Isabel dos Santos são duma tal Felícia Cabrita, vou esperar para ver, já que não gosto de cogumelos não esterilizagdos.
Abraço

Manuel Veiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manuel Veiga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
jrd disse...

Grande texto! Subscrevo-o integralmente e concordo em absoluto com a nota de roda pé.
Abraços

Maria disse...

Excelente post!
Qual autonomia do Ministério Público? Qual independência dos Tribunais?
Subscrevo a tua nota de rodapé, se me permitires....

Beijos e beijos

escarlate.due disse...

triste, mesmo triste (e perigoso) é termos um país onde as figuras governantes de mais elevada responsabilidade, passam a vida a ser envolvidas em confusões, escândalos, vigarices, e afins.
não é saudável para o país. não só porque não dá ao exterior uma visão positiva do mesmo, como não dá aos cidadãos o sentimento de segurança e confiança que devem sentir para que contribuam em conjunto para o desenvolvimento e crescimento do mesmo.

embora eu seja mais apologista em procurar soluções do que identificar culpados, sou levada (como outros cidadãos por certo) a recorrer-me daquela velha frase "onde há fumo há fumaça" porque com tanta acusação já começa a ser estranho que se trate de anjinho.
mas caramba, que se investigue a sério então e que se conclua e proceda responsável e conscientemente com justiça porque se nem a porcaria da justiça funcionar num país então... não se trata de "país" de uma coisa qualquer tipo republica das bananas (ou nem tanto)e nesse caso quase me arriscaria a desejar "entreguem esta porcaria aos bichos que talvez sejam mais capazes"

MagyMay disse...

Clareza de texto, magnífico!

Obviamente, demitam-se...

Beijo

São disse...

Que estupendo texto!

Abraço

Jorge Castro (OrCa) disse...

Sempre clarinho como gota de chuva antes de bater no chão, esse teu escorreito discernimento sobre estas manigâncias da res publica. Um prazer ler-te, meu caro, opinativo e tudo, como convém, que farto de meias tintas e meias palavras ando eu... e julgo que mais uns quantos muitos.

Abraço.

vieira calado disse...

Meu caro,

apardalado fiquei eu ao ler,

hoje,

que os bancos estão a encher a mala
à velocidade do TVG!

Forte abraço

© Maria Manuel disse...

uma tristeza, uma pequenez. cada vez mais evidências de corrupção, incompetência, compadrio, etc por parte de quem governa e de quem dirige as instituições do país.
o teu texto, de uma clara e bem estruturada argumentação.

Anónimo disse...

vivem-se momentos de grande tensão em portugal, sem dúvida. tenho imensa pena que seja assim o meu país. sinto-me sem esperança. o meu pressentimento não é nada bom. o seu texto é brilhante! um grande beijinho.

lis disse...

Nada poderia falar sobre o que ocore aí, entretanto garanto que em nada deve diferenciar do que ocorre aqui. Ontem tivemos a prisão de um Governador corrupto ,um ladrão.É esperar pra ver quanto levará engaiolado!
Vou ver o desfile das escolas de samba que anestesia um pouco! rs
abraços

São disse...

Se , por acaso , quieres saber um pouco mais de mim, passa pelo "são".

Alegre Entrudo, porque em Carnaval já estamos há muito tempo...

Licínia Quitério disse...

Os noticiários não se cansam de noticiar, os comentadores não se cansam de comentar, nós cansamo-nos de toda esta teia de desvergonhas sem culpados.

O teu texto é claríssimo. Este país vai mal. Esta gente não presta. Que será de nós?

Abraço.

mdsol disse...

Muito bem escrito, como sempre.

:))

GP disse...

Faço minhas as tuas palavras. Todas.
Esperemos pelo ar mais respirável...

beijo

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