quarta-feira, dezembro 29, 2010

POEMA DE NATAL...



Derrama-se o canto sobre a mesa alva.
E a noite fria. Agora é este lume na estrela
De teus dedos murmurados. E a frágil linha
De teus cabelos brancos escorridos...

Meu rosto são teus olhos...

Arfar do peito meu. Agora esta miragem
No esconso tempo. Desprendo em teu regaço
Lírios de outrora. E componho o musgo e a hera.
O menino sou eu. E a lágrima é tua lá no Céu.

Dulcíssima a Hora...

Ilumina-se o esplendor dos anjos em redor.
Meu vagido, teu seio. E este milagre de ti.
Não há incenso, bem sei. Apenas a Mulher parida
E o filho incréu. De joelhos entoando tua benção:

"Gloria in excelsis Deo!..."

domingo, dezembro 19, 2010

Nevoeiro que se vê...



"O que isto é, viver!
Abrir os olhos, ver
E ser o nevoeiro, que se vê!
Nevoeiro ao nascer
Nevoeiro ao morrer,
E um destino na mão que não se vê!..."

Miguel Torga - in "Os Bichos"
Foto - George Dussaud

sábado, dezembro 18, 2010

Cinza quente...


As estrelas não amam. Brilham.
E em seu brilho se cumprem. Cinza quente
De vulcão extinto...

Delas guardamos por vezes a órbita
Enquanto esfriam. Outras nem tanto.
Soltamo-las fogos-fátuos coloridos...

E a lonjura em nossas mãos vazias
Que os olhos não abarcam mais.

(Crianças doridas pelo cais...)

Vertigem de alturas em cada trago.
Colapso de estrelas em que (me) ardo
Sôfrego e vário…

terça-feira, dezembro 14, 2010

Angelus Novus



“Há um quadro de Klee chamado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou rosto para o passado.

A cadeia de factos que aparece diante de nossos olhos, é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas arremessa a seus pés. O anjo gostaria de parar para acordar os mortos e reconstituir, a partir de seus fragmentos, tudo aquilo que foi destruído.

Mas do Paraíso sopra um vendaval que se enrodilha nas suas asas e que é tão forte que o anjo já não as pode mais fechar. Esse vendaval impele-o irresistivelmente para o futuro a que ele volta costas, enquanto o monte de ruínas à sua frente cresce até ao céu.

Aquilo que chamamos de progresso é este vendaval”.

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“A tradição dos oprimidos ensina-nos que o “estado de excepção” no qual vivemos é a regra. Precisamos de um conceito de história que se dê conta disso”.

Walter Benjamin – in “O Anjo da História” – Assírio&Alvim

sábado, dezembro 11, 2010

Amália Rodrigues Fado Português

SONHO DE SONHO...


Declina este silêncio a voz da tarde
Que sobre o Tejo embala caravelas.
Guindastes frios chorando primaveras
Aventuras em farrapos pelo molhe...

Cravo e canela. Era outrora miragem
Do sangue o que hoje é azul perdido.
Não era glória: era apenas o sentido
De partir sem receio da ancoragem...

Não mais flores nem colchas à janela
Nem olhares cativos em cada espera
Nem fulvo marinheiro, celebrado...

Ó Pátria minha, agora! Mimética altivez
Tempo prisioneiro do deserto de Fez
Sonho de sonho: ora perdido, ora achado...

quinta-feira, dezembro 09, 2010

Notas de Leitura


Com a chancela da editora Leya, na série “Cadernos de Investigação”, o juiz jubilado do Tribunal de Contas, Dr. Carlos Moreno, publicou recentemente o título em referência, que constitui um verdadeiro libelo contra a má gestão das Finanças Públicas, no decurso das últimas décadas, no nosso país.

Com autoridade do seu percurso como juiz do Tribunal de Contas e outras funções ao serviço da administração financeira do Estado, a que alia a docência em diversas Universidades, o autor demonstra nesta obra, de forma eloquente, que “o Estado não tem fatalmente que realizar negócios ruinosos com os privados".

Em linguagem simples e acessível, ao alcance de qualquer leitor, mesmo não iniciado nestas matérias, o autor, na primeira parte do livro, apresenta alguns conhecimentos gerais sobre finanças públicas, aclarando conceitos básicos, nem sempre bem conhecidos pela opinião pública e, o que é mais grave pela opinião publicada.

Remete, depois, o autor para a “gestão dos dinheiros públicos”, que deve ser exercida com observância da lei, de acordo com critérios de boa gestão e respeito pela concorrência, a transparência e a publicidade, em vista a “realização exclusiva de finalidades públicas”.

Por isso, considera o autor que, vinculada embora a critérios técnicos, a gestão financeira do Estado pode ser obrigada a afastar-se de conceitos de estrita racionalidade económica, porquanto “há valores sociais que se sobrepõem aos critérios da economia, da eficiência, e da eficácia”.

Salienta o autor que “em Portugal a regra tem sido um mau planeamento e quase tudo que é orçamento público falha estrondosamente (…)”, o que explica “que as previsões de custos das obras públicas chegam a derrapar 300%.”

Insiste o autor que a transparência das finanças públicas constitui hoje uma questão decisiva de rigor técnico e que nada justifica que uma parte cada vez maior da receita e despesas públicas, em especial a despesa de investimento público, escape ao Orçamento de Estado e assim ao controlo político do Parlamento e do conhecimento dos cidadãos.

Detém-se, posteriormente, sobre a importância do controlo público externo das finanças públicas, como “necessidade colectiva essencial, tal como o saneamento básico, as vias de comunicação, a polícia ou a justiça”; e, nesse quadro, refere o papel do Tribunal de Contas.

Os capítulos seguintes são uma denúncia viva e fundamentada do papel nefasto das ditas “Parcerias Público- Privadas (PPP), de que Portugal “é o campeão europeu”. O autor não hesita em afirmar que, na grande maioria das PPP, as entidades públicas responsáveis pela gestão dessas parcerias têm revelado “demasiada impreparação e leviandade”…

O autor passa pelo crivo da sua crítica empenhada os últimos “18 anos a cometer os mesmos erros”, apresentando as monstruosas derrapagens financeiras e os consequentes prejuízos para o erário público da “Concessão da Lusoponte”, a “Concessão da Fertagus”, as “SCUTs”, a “Concessão Metro Sul do Tejo”, as “PPP-Saúde”, o “Terminal de Contentores de Alcântara”, as “Subconcessões da Empresa Pública – Estradas de Portugal”, a “Renegociação das Concessões das SCUTs e apresenta uma súmula dos principais erros cometidos pelo Estado neste domínio das PPP.

O último capítulo é consagrado às “Derrapagens nas Obras Públicas”, onde se descrevem os “edificantes” casos da “Casa da Música”, a “Ponte Rainha Santa Isabel”, o “Túnel do Terreiro do Paço” e os “Estádios do Euro 2004”. A finalizar, o autor apresenta algumas propostas de “Como o Estado Pode Gastar Menos e Melhor”.
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Pela sua vigorosa denúncia das más práticas de gestão financeira do Estado, pelo acervo de informação, pelo proclamado propósito de prestigiar o serviço público, considero a publicação desta obra um serviço que se presta a comunidade e um brilhante exercício de pedagogia cívica.   

      




 

quinta-feira, dezembro 02, 2010

ONU - entre os Direitos Humanos e a Caridade

 "A acção decisiva da Assembleia Geral torna bem claro que os direitos económicos, sociais e culturais, incluindo os direitos a habitação adequada, à alimentação, à saúde, à educação e ao trabalho, não são uma questão de caridade, mas sim direitos que podem ser reivindicados por todos, sem qualquer tipo de discriminação”, declara um grupo de peritos de direitos humanos das Nações Unidas, a propósito da recente aprovação pela ONU do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

O documento, em cuja redacção teve papel relevante uma jurista portuguesa, que presidiu ao grupo de trabalho, “permite que aqueles que sofrem violações dos seus direitos económicos, sociais e culturais procurem obter reparação e obriguem os responsáveis por essas violações a responder pelos seus actos, como acontece já no caso de outros direitos humanos”.

A combinação do mecanismo de apresentação de queixas, do procedimento de inquérito contribuirá, no dizer desses peritos, “para assegurar a sua implementação”. E aos indivíduos e grupos de indivíduos “representa um instrumento promissor para que todas as vítimas de violações desses direitos façam ouvir a sua voz”.

Os peritos expressam a esperança o Protocolo Facultativo venha fomentar a possibilidade de medidas concretas em vista a “realização dos direitos de todos e para chegar aos mais marginalizados e desfavorecidos, que têm mais probabilidade de ver os seus direitos violados”.

"Isto representa um passo crucial em direcção a um mecanismo, há muito aguardado, que reforce a universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelação de todos os direitos humanos e a garantia de dignidade e justiça para todos”, acrescentam.

Segundo a palavra dos peritos, “o Protocolo Facultativo representa um maior reconhecimento da dignidade inerente a qualquer ser humano e da importância da justiça e da responsabilização por todas as violações de direitos humanos”.
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E que fazer, então, com os direitos do Homem, no actual contexto nacional e internacional? Nos dias de hoje, as sonoras proclamações sobre os direitos do homem servem, sobretudo, como instrumento legitimador, à escala planetária, de uma ordem social, não apenas injusta, mas desumana e cruel…

Que crédito podem merecer, ou que grau de eficácia serão dotados, os documentos da Organização das Nações Unidas, quando ficamos a saber que altos funcionários internacionais e o próprio Secretário-geral da ONU são objecto de recolha de dados pessoais, à margem da Lei e da decência política?

Continuaremos a falar dos direitos do homem, sem dúvida!... Mas, se quisermos que os direitos do homem prevaleçam ainda, na sua genuína vocação, como instrumento de libertação dos povos e de realização dos valores de justiça e progresso social, teremos que os desembaraçar da redoma ideológica que os aprisiona e romper os limites em que se exprimem…

Isto é, deveremos lutar para que os direitos do homem possam ser invocados e  juridicamente vinculativos nas relações jurídico-privadas, quando uma das partes detenha predomínio económico e social, que permita uma situação de exploração.

sexta-feira, novembro 26, 2010

Vinho tépido...


Passamos o caudaloso rio como se a corrente
Fosse sereno magma ou leite em que as vestais
Mergulham em banho de incensos e pétalas.

Ou cativos, bebêssemos o vinho tépido dos restos.
Migalhas. Ou inútil oração de anjos
Fossemos. Ou festim de demónios vencidos...

Amamos sôfregos de amores.
Por vezes fingidos na melancolia das tardes
Antes de anoitecer.

E redimimos as palavras no corpo do Desejo.
Como absolutos beijos. Sem futuro.
E por isso tão ternos e tão voláteis.

E na ascentral pulsão de antigos donos
(Oficiantes de um Tempo indelével na memória)
Ardemos. Herméticos e vencidos.
Caligrafia sem nexo em que nos jogamos.
Orgulhosos.

terça-feira, novembro 16, 2010

Uns dias de greve por aqui!
Beijos e abraços...

Taluda de Natal...



“Na sequência da venda da participação privilegiada da Portugal Telecom na brasileira VIVO, aquele grupo empresarial realizou mais-valias que ascenderam a valores rondando os 7.500 milhões de euros, no que ficou conhecido com um dos maiores negócios de alienação de participações sociais realizadas no ano de 2010 em todo o mundo. Recorde-se, a propósito, que a decisão de venda da participação da PT na VIVO foi tomada após uma primeira oferta de aquisição daquela participação social, por parte da Telefónica, ter esbarrado no veto exercido pelo Governo Português em Assembleia Geral de accionistas da PT. (…)

Algum tempo depois da Assembleia Geral em que o Estado Português utilizou o poder de veto (…) e após um processo negocial cujos contornos nunca foram totalmente claros nem transparentes (…) o Governo optou por alterar a sua posição e permitir a concretização da venda à Telefónica da participação da PT na VIVO. Explicações para uma mudança tão radical quanto rápida da posição assumida pelo Governo há muitas, sendo que as pressões dos designados “accionistas de referência”, fortemente empenhados em realizar vultuosas mais-valias (…) foram certamente determinantes para a mudança da posição do Governo.

A troca do certo – a participação na VIVO – pelo incerto e inseguro, (a aquisição de cerca de 23% do capital social de uma outra empresa brasileira de telecomunicações), não constitui (…) argumentação suficiente para justificar uma mudança tão radical quanto rápida da posição do Governo Português, só realmente explicável pela influência determinante da vontade e desejos de lucro imediato dos accionistas maioritários da PT.

Certo e seguro é que o Governo sabia, pelo menos desde o passado mês de Junho, das intenções de boa parte dos respectivos accionistas de referência em vender a participação da PT na VIVO, realizando vultuosas mais-valias. Certo e seguro é, também, o facto de o Governo ter intenções de, (finalmente!...), alterar as normas fiscais de tributação dos dividendos distribuídos pelas Sociedades Gestoras de Participações Sociais por forma a introduzir alguma nota de equidade fiscal num momento político, profundamente penalizador para a esmagadora maioria dos portugueses (…).

Só que, apesar das intenções anunciadas, o Governo não tomou qualquer iniciativa legislativa passível de produzir efeitos ainda em 2010. Só apresentou as alterações anunciadas na proposta de Orçamento do Estado para 2011, permitindo, ainda uma vez mais, a manutenção daquele estatuto privilegiado no ano em curso. Esta omissão do Governo permite que os accionistas dos grandes grupos económicos e financeiros organizados sob a “fórmula jurídica” de Sociedades Gestora de Participações Sociais continuem a beneficiar, mais um ano, da isenção plena de tributação dos dividendos que lhes são distribuídos.

Entre estes grupos está a PT e estão os dividendos extraordinários que a sua administração anunciou ir distribuir, ainda em 2010, como resultados das mais-valias realizadas com a venda da participação na brasileira VIVO. De facto, este grupo confirmou recentemente, que, como há muito tinha indiciado, iria distribuir um total de 1,5 mil milhões de euros em dividendos extraordinários, dos quais cerca de 900 milhões ainda em 2010.

Uma verdadeira “taluda de Natal” aos seus accionistas (…). Utiliza-se a expressão “taluda de Natal” porque estes dividendos podem ser – se nada for feito - distribuídos com total isenção de impostos, (…) porque as alterações fiscais que o Governo anunciou em Setembro só vão, afinal, produzir efeitos em 2011, sobre os dividendos que então forem distribuídos.

Ou seja, a “taluda de Natal” sucede porque o Governo foi preguiçoso e se “esqueceu” de alterar o quadro fiscal que permitiria tributar estes, e todos os restantes dividendos distribuídos aos accionistas por todas as SGPS em Portugal já no ano de 2010. Não obstante conhecer (…) e até se poderá dizer que o Governo conhecia bem e atempadamente as intenções dos accionistas da PT, desde que em Junho acabou por aceitar a venda da VIVO à Telefónica.

Cheiram, portanto, a pura hipocrisia as declarações do Governo, designadamente do Ministro de Estado e das Finanças, produzidas há dias, na altura em que a administração da PT confirmou publicamente as intenções de distribuir, ainda em 2010, parte substancial (cerca de 60%) do total de dividendos extraordinários (1500 milhões de euros) resultantes das mais-valias da venda da VIVO. (…) É esta a dimensão da fuga aos impostos, resultante da omissão legislativa do Governo.(…)

Mas se o Governo (…) não legislou atempadamente, a Assembleia da República pode e deve ainda fazê-lo. De facto nada impede que o Parlamento altere o quadro fiscal vigente, exactamente no mesmo sentido e com a mesma extensão que o Governo pretende fazer, mas apenas em 2011. Se o Governo reconhecia (finalmente!), em Setembro deste ano, que a manutenção do quadro fiscal de tributação dos dividendos distribuídos pelas SGPS é iníquo e permite situações abusivas que têm que ser combatidas, devia ter propostas imediatas para produzir alterações com efeitos ainda sobre os rendimentos gerados em 2010.

Não o fez, pode o Parlamento fazê-lo, até pela simples razão de estarem agora reunidas as condições políticas que podem permitir a sua viabilização célere e sem controvérsias suplementares ou desnecessárias.

Daí o presente projecto de lei que o Grupo Parlamentar do PCP decide apresentar (…) Com esta iniciativa o PCP pretende antecipar para 2010 a entrada em vigor das alterações ao quadro fiscal que impende sobre as SGPS, tributando os rendimentos resultantes da distribuição dos dividendos distribuídos em 2010 aos accionistas dos Grupos Económicos integrantes das Sociedades Gestoras de Participações Sociais (…).”

Do Preâmbulo do Projecto de Lei do Partido Comunista Português.
………………………………….
Serão “todos” os políticos iguais? Verdade ou preconceito?
A cada um suas responsabilidades….  


domingo, novembro 14, 2010

Como se mágoa fora!...



Desfolho a pétala
Que o vaivém da onda
Nega como se fora
E não fora...

Sorvo o vento
No búzio do tempo
Glória sem eco
Que me devora...

Alinho ternura
No arco sem volta
De qualquer procura...

Denso perfume
Que se acende em lume
Na ilusão de ser…

Ausência rola
Como se mágoa fora
Fingindo não ser...

HD: Mozart's SONATA for TWO PIANOS - Anderson & Roe

terça-feira, novembro 09, 2010

BACH -MATTHÄUS -PASSION -DUETT (Spran, Alt) - Richter "So ist mein Jesus...

O RITMO DA VIDA

 


"Coração, meu coração, que afligem penas sem remédio!

Eia! afasta os inimigos, opondo-lhes um peito adverso.

Mantém-te firme nas ciladas dos contrários.

Se venceres, não exultes abertamente...
Vencido, não te deites em casa a gemer...

Mas goza as alegrias, dói-te das desgraças

sem exagero. Aprende a conhecer o ritmo

que governa os homens!..."

Arquílogo - Grécia – Séc. VII a.C.

sexta-feira, novembro 05, 2010

DO AZUL PERFEITO...


A toalha estendida. Alva.
E a sofreguidão dos rostos
E o pão contado
Por cabeça.
E o vinho em roda
Escorrendo
Nas gargantas…

E a brisa provisória sob o freixo. Frondoso.
A suspender canícula.

E o odor acre dos corpos. Reclinados.
E o dia claro.

E a estridência das cigarras.
(e a cal de meus dias)
E os tordos da infância...

Revoadas de sonhos
Em tela branca
No oiro das searas
De azul (im)perfeito…

Banda Filarmónica de Vimioso - "A Máscara de Zorro" (The Mask of Zorro)

sábado, outubro 30, 2010

Entremês(ez) burlesco…



Ao que parece, o entremês burlesco chegou ao fim. O PS e o PSD revelam, publicamente, que estão unidos como irmãos siameses na magna questão orçamental. O mesmo é dizer que unidos nas mesmas políticas de desastre nacional das últimas décadas, em que se revezaram no Governo.

Apenas os incautos poderiam duvidar…

Claro que nesta farsa, tudo se conjugou, ao milímetro, para que o candidato Cavaco Silva assumisse as funções de contra-regra. A peça, porém, é mero guião simplex, decidido nas instâncias económicas internacionais, como a despudorada intervenção da banca nacional bem revela, face a iminência do corte dos créditos, que alimentam a rapacidade capitalista…

Mas haja Deus! Teremos orçamento de Estado e Cavaco Silva é seu profeta!...

O mesmíssimo “homem do leme” que, agora compungido, declara que lhe “dói a situação País”, mas que foi o feitor mor, enquanto Primeiro-ministro, dos interesses económicos e políticos que descambaram na situação presente. Não o único, claro! A mesmíssima política trazia antecedentes socialistas e, no seu bojo, consequentes ainda mais radicais, também socialistas.

Mas Cavaco Silva não pode por o rabo de fora, passe e plebeísmo. Como Primeiro-ministro e, enquanto Presidente da República, tem sido no plano nacional, persistentemente, um dos artificies do modelo económico que levou o Pais ao desastre.

Ou não foi ele quem liquidou a agricultura, as pescas e a indústria nacionais, em nome de uma “política de betão” e de serviços, que injectou milhões e milhões de euros na alimentação de empresas privadas e fortunas obscenas? Na base de pródigos subsídios, benefícios fiscais e salários baixos…

E, como Presidente da República, alguma vez se demarcou do modelo económico e social dominante? Aliás, em seus penosos discursos e elípticos recados, em nada tem questionado os ataques ao dito “modelo social europeu” (seja ele o que for) e seus impactos no quotidiano das pessoas, que alargam, cada vez mais, o fosso da pobreza… Limita-se a pios gemidos, em água chilra de assistencialismo e filantropia como solução para os problemas sociais…  

Anuncia-nos, agora, em euforia de auto-elogio, que em segundo mandato presidencial, irá exercer “magistratura de influência activa”…   

Acautelem-se, pois. Ponham as barbas de molho, meus caros. E, minhas amigas, resguardem as formas anatómicas mais cobiçadas e roliças – o Presidente-candidato vai ser activo de ora em diante!...
       

terça-feira, outubro 26, 2010

Tchaikovsky Symphony #6 "Pathetique" : movement #3

"No tempo em que festejava..."

"No tempo em que festejava o dia dos meus anos
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter esperanças que outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não tinha esperanças.
Quando vim olhar a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto de mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia província,
O que fui de amarem-me e ser menino,
O que fui – ai meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o eco...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

Hoje eu sou como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que hoje sou é terem vendido a casa,
È terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico de alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com muitos lugares, com melhores desenhos na loiça,
com mais copos,
O aparador com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra
debaixo do alçado –
As tia velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos....

Pára, meu coração!...Não penses!... Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos...Duro...Somam-se dias...
Serei velho quando for!...Mais nada!
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...”

Álvaro de Campos




sexta-feira, outubro 22, 2010

Vivaldi Four Seasons Spring Sand Animation film Ferenc Cakó

In illo tempore...



Teciam carícias como flores. Sobre a relva, os corpos ébrios de espaço. O rodopio. O céu e terra misturavam-se na vertigem. Depois exaustos, caiam e enrolavam-se, em fusão de adolescência e primavera.

Então ele tecia grinaldas de malmequeres e enfeitava seus cabelos. Em glorificação pagã de tempos futuros, pois agora nada sabiam: eram inocente pulsão de vida. Ela ria. O marfim dos dentes, o vermelhão húmido dos lábios, os seios a despontar no estampado da blusa. Ele atrevia-se. Por vezes, ao joelho destapado. E a mão a subir à coxa, tremendo de novidade e emoção.

E a voz esquiva, no sorriso: “Está quieto. Aí, não!...”

E corriam, de pássaros nos olhos, levantando revoadas...

O sol criava reflexos de oiro nos olhos verdes de Joaninha. Queimavam. Ele abrasava no sangue revolto. Ofegante, crescia. Olhava-a: “Dá-me um beijo!...” – dizia em oração murmurada.

Perversa e risonha, apontava o rosto. Desiludido e amuado, teimava: - “ Tu prometeste. Dá-me um beijo!...”

Ergueu-se, majestosa. Com a mão, em concha, a proteger os olhos, alargando o olhar para além do horizonte, sorriu, em arrepio de infinito: - “Dou-te um beijo, se me disseres onde fica o mar...”

O rapaz inventou o mar naquela tarde...

domingo, outubro 17, 2010

A Europa e a Questão Social

A pressão que está a ser exercida pela Comissão e pelas potências europeias sobre os países de economias mais frágeis e de maiores níveis de pobreza é contra todos os princípios de coesão económica e social” – afirmou Ilda Figueiredo, em recente intervenção no Parlamento Europeu sobre a “Questão social no Tratado de Lisboa”.

E acrescentou:

A verdade é que só houve possibilidade de ultrapassar os critérios irracionais do Pacto de Estabilidade enquanto foi necessário os Estados membros apoiarem os bancos na sequência dos problemas que viveram por causa do lixo tóxico que criaram. Agora, que os bancos absorveram os apoios públicos de milhares de milhões de euros, e dispararam as dívidas públicas de países com maiores dificuldades, voltou a pressão para reduzir dívidas e défices, sem ter em conta o emprego, a inclusão social e os direitos universais à educação e à saúde públicas, ao alojamento, a salários e a reformas dignas”.

E noutro passo:

“Em nome da sustentabilidade das finanças públicas, multiplicam-se políticas de austeridade que estão a ser impostas nalguns países como Grécia e Portugal, aumentam as injustiças sociais, multiplicam o desemprego e a pobreza e exclusão social ameaçam 120 milhões de pessoas nesta União Europeia.

Assim, referiu ainda, aqui ficam as perguntas:

"Que Europa social é esta? Em Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza, onde estão as garantias de rendimentos mínimos que enfrentem a pobreza?

Onde pára a integração dos objectivos sociais e da sustentabilidade social nas políticas macroeconómicas? Onde está a defesa e promoção dos serviços públicos?

Para quando uma orientação social convergente e uma efectiva avaliação do impacto social das políticas monetárias, do Pacto de Estabilidade, das políticas orçamentais e fiscais, das políticas de concorrência e do mercado interno como exigem os trabalhadores nas lutas que se multiplicam por essa Europa fora?”

Entretanto,

A eurodeputada Ilda Figueiredo defendeu a atribuição de um rendimento mínimo com fundos europeus aos pobres da Europa comunitária, realçando que, no caso português, o rendimento social de inserção não chega para todos os carenciados.

E apresentou, na Comissão de Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, o projecto de resolução sobre o papel do rendimento mínimo na luta contra a pobreza e na promoção de uma sociedade inclusiva na Europa.

Nesse sentido, pediu à Comissão Europeia “uma iniciativa que permita a cobertura universal de um rendimento mínimo adequado na União Europeia, como medida de prevenção contra a pobreza e para garantir a justiça social e a igualdade de oportunidades para todos, sem pôr em causa as especificidades de cada Estado-membro”.

A eurodeputada frisou que alguns países da União Europeia não garantem um rendimento mínimo aos mais desfavorecidos, sendo que em Portugal a atribuição do equivalente Rendimento Social de Inserção, “não dá cobertura a todas as situações” de pobreza, nomeadamente a de trabalhadores ou reformados com salários ou pensões muito baixos.

O projecto de resolução de Ilda Figueiredo será apreciado no decurso do mês de Outubro no plenário do Parlamento Europeu.

…………………………………………………

Maria Ilda da Costa Figueiredo nasceu em Troviscal, 30 de Outubro de 1948.

Passou a infância e a juventude em Troviscal, até se mudar para Chaves com a família e mais tarde para Vila Nova de Gaia. Iniciou a sua vida profissional como professora do Ensino Primário, e licenciou-se em Economia, pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Em Aveiro fez parte da Juventude Operária Católica e filiou-se no Partido Comunista Português, após o 25 de Abril de 1974. Colaborou com o Sindicato Têxtil do Porto, onde se profissionalizou como técnica sindical, em 1977. Dois anos depois, estreava-se como deputada à Assembleia da República, eleita pelo PCP, funções que manteve até 1991. Paralelamente desempenhou o cargo de vereadora na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, entre 1983 e 1990 e a partir de 1994 na Câmara Municipal do Porto.

Em 1999, Ilda Figueiredo foi eleita pelas listas do PCP para o Parlamento Europeu, onde pertence ao grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, sendo reeleita em 2004 e em 2009, desta vez como cabeça de lista.



terça-feira, outubro 12, 2010

Crise e divida na Europa...

A  Associação Francesa de Economia Política lançou um “manifesto dos economistas aterrorizados”, com o qual se pretende lançar um debate sobre a “Crise e a Dívida na Europa” Trata-se de contribuir para a desmitificação dos chavões que o liberalismo económico e que, no momento actual, constituem garrote sufocante do desenvolvimento económico e social dos países dos países e
da soberania dos Povos.
Ao longo de escassas de 15 páginas, numa linguagem acessível, perpassa uma análise crítica de “10 falsas evidências” que o liberalismo económico reinante, impõe, como verdades absolutas, ao discurso político e à acção dos governos.
E, mais importante ainda, para cada “falsa evidência”, os autores do documento propõem um conjunto de alternativas medidas, no total de “22 medidas para sair do impasse” 
Deixo-vos, entretanto, com alguns excertos da introdução:
"A retoma económica mundial, que foi possível graças a uma injecção colossal de fundos públicos no circuito económico (desde os Estados Unidos à China) é frágil, mas real. Apenas um continente continua em retracção, a Europa. Reencontrar o caminho do crescimento económico deixou de ser a sua prioridade política. A Europa decidiu enveredar por outra via, a da luta contra os défices públicos
“Na União Europeia, estes défices são de facto elevados – 7% em média em 2010 – mas muito inferiores aos 11% dos Estados Unidos. Enquanto alguns estados norte-americanos com um peso económico mais relevante do que a Grécia (como a Califórnia, por exemplo), se encontram numa situação de quase falência, os mercados financeiros decidiram especular com as dívidas soberanas de países europeus, particularmente do Sul.
A Europa, de facto, encontra-se aprisionada na sua própria armadilha institucional: os Estados são obrigados a endividar-se nas instituições financeiras privadas que obtêm injecções de liquidez, a baixo custo, do Banco Central Europeu (BCE).
Por conseguinte, os mercados têm em seu poder a chave do financiamento dos Estados. Neste contexto, a ausência de solidariedade europeia incentiva a especulação, ao mesmo tempo que as
agências de notação apostam na acentuação da desconfiança. (…)
Da Holanda a Portugal, passando pela França com a actual reforma das pensões, as prestações sociais estão em vias de ser severamente amputadas. Nos próximos anos, o desemprego e a precariedade do emprego vão seguramente aumentar.
Estas medidas são irresponsáveis de um ponto de vista político e social, mas também num plano estritamente económico. Esta política, que apenas muito provisoriamente acalmou a especulação, teve já consequências extremamente negativas em muitos países europeus, afectando de modo particular a juventude, o mundo do trabalho e as pessoas em situação de maior fragilidade. (…)
Supõe-se que a economia esteja ao serviço da construção de um continente democrático, pacífico e unido. Mas em vez disso, uma espécie de ditadura dos mercados é hoje imposta por toda a parte, particularmente em Portugal, Espanha e Grécia, três países que eram ditaduras no início da década
de setenta, ou seja, há apenas quarenta anos.
Quer se interprete como um desejo de “tranquilizar os mercados”, por parte de governantes assustados, quer se interprete como um pretexto para impor opções ditadas pela ideologia, a submissão a esta ditadura não é aceitável, uma vez que já demonstrou a sua ineficácia económica e o seu potencial destrutivo no plano político e social.
Um verdadeiro debate democrático sobre as escolhas de política económica deve pois ser aberto, em França e na Europa. (…) A lógica neoliberal é sempre a única que se reconhece como legítima, apesar dos seus evidentes fracassos (..) Quer se trate da eficiência e da racionalidade dos mercados financeiros, da necessidade de cortar nas despesas para reduzir a dívida pública, quer se trate de reforçar o “pacto de estabilidade”, é imperioso questionar estas falsas evidências e mostrar a pluralidade de opções possíveis em matéria de política económica.
Outras escolhas são possíveis e desejáveis, com a condição de libertar, desde já, o garrote imposto pela indústria financeira às políticas públicas. (…)”

sábado, outubro 09, 2010

Pequeno nome das ervas....

No brado úbere da terra milhares de fios de Penélope
Sobre o cotovelo dos dias de espera
E barcos vazios
E o sangue fermente
Macerado na dor da ausência...
 
 
Há nesse grito a eterna sede das "mulheres de Atenas"
Vestidas de negro e de olhar profundo
De pranto escorrido
No riso em cascatas festivas como bacantes
Em febre...
 
E no pequeno nome das ervas
E no trevo dos caminhos
A inocência do canto de todas as partilhas…
E a felina gruta de resguardo das coisas simples...
 
E o bálsamo e a água
Com que o mistério do amor celebra  
O corpo de proscritos…
 
E no bordão dos peregrinos
E no livro das Horas nacarado
E na espada
E no selo
E em todas as juras...
 
E nos maculados pés
E no resguardo dos portais...
 
E na fome dos dias por abrir
A  fecunda dor de todas as colheitas
E o sândalo de todos os cansaços...
 
 
 

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...