domingo, junho 28, 2009

Uma sentença do Juiz da Beira

(...)

Diz o Porteiro a Ana Dias, que vem à audiência:

Venhais embora, Ana Dias.
Em demanda andais cá?”


Ana: - “Sempre o diabo me dá
com que tenha negros dias”.


Porteiro: - “É feito crime ou que é?”

Ana: - “Não sei s´é crime, se que
"minha filha é violada,
"e houveram-ma forçada:
"vou-me ao Juiz”.


Porteiro: - “Esse é;
"mas tanto vale como nada”.


Ana: - “Querelo-me, senhor Juiz,
"do filho de Pêro Amado
"que o achei emburilhado
"com a minha Beatriz”.


Juiz: - “E onde?”

Ana: - “No seu cerrado”.

Juiz: - “E que ia ela lá catar?"

Ana: - “Foram ambos a mondar,
que o trigo era creçudo"
“E foi-se a ela...”


Juiz: - “"Coma sesudo,
"pois que tinha bô lugar
”.

Ana: - “Olhai vós como ele gosta!...
Juiz, fazei-me dereito”.


Juiz: - “Digo que pois já é feito,
"venha ele com sua resposta,
"ou lhe faça bom proveito,
"e venha a moça citada”.


Ana: - "A cachopa é prenhada".

Juiz: - “Assi se faz..."

Ana: - Não há hi mais?
“Esse é remédio que dais?
“Ora estou bem aviada”
“Mãe! mãe! eu não sei que diga...”


Juiz: - “Pai! pai! venha a rapariga,
“e veremos que ela diz:
“e como diz a cantiga,
“traga as testemunhas cá,
“sete ou oito abastarão...”


Ana: - “Senhor, se não for per rezão,
“nunca s'isso provará:
“Que era o pão onde os achei
“mais alto do qu' é essa vara”...

(...)
Ana: - “Deixara-a ele mondar:
“que olho mau se meta nele,
“e muito de mau pesar.
“Maus exemplos, maus ensinos;
“um moço já homem barbado,
“emancipado
“ir fazer tais desatinos!...”


Juiz :-“São cousas de moços...”

Ana : - “Assi,
"boa concrusão trazeis
”...

Juiz: - “Que é o que vós quereis?!...”

Ana : - “Que o mandeis vir aqui preso,
“e que o castigueis”.


Juiz : - “Já eu estive cuidando nisso,
“porque eu não sou abantesma.
“Mas que sei eu s´ ela mesma
“deu casião pera isso?!...”


E perem tudo assi visto
“eu mando per meu mandado
“que até esse pão ser segado
“que se não fale mais nisso.
“E aquele mesmo pão
“eu e estes homens bõs
“iremos lá e veremos nós
“se houve per força ou não:
“que se ela não queria
“estará o pão derramado,
“e há mister bem olhado
“ela se se defendia...”
(...)

Gil Vicente – in Farsa “O Juiz da Beira” – Ed. “Clássicos Sá da Costa”
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E que o Juiz da Beira não ressuscite para julgar o caso Freeport. E os restantes que andam por aí badalados...

segunda-feira, junho 22, 2009

Brisa de verão....

“Deixemos, Lydia, a ciência que não põe
Mais flores do que Flora pelos campos,
Nem dá de Apolo ao carro
Outro curso que Apolo...”


Ricardo Reis – in Obra de Fernando Pessoa.
Ed. - Assírio&Alvim
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Se como Lydia viesses cobrir meu rosto
Com o perfume de teus cabelos...

E como rosa abrupta
Te abrisses ao mistério de meus dedos...

Se meus olhos
Abrasassem como o sol da tua boca...

Se o grito e o mel povoassem meu deserto
Na glória de teu corpo...

Lírios em círio acesos
Luziriam no altar de meu desejo

E rosas e lírios te daria
Nas rosas e nos lírios que não ouso...

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Enfim, brisa de Verão. A que não resisto...

sexta-feira, junho 19, 2009

Para breve a queda do império financeiro suíço?

Ao que parece, a maior lavandaria de dinheiro do mundo ameaça falir e poderá arrastar consigo, um país inteiro... Com a agonia da União de Bancos Suíços, agoniza também o segredo bancário suíço. Quem o afirma é Gilles Lapouge, em artigo na imprensa de Paris, que tem percorrido o circuito dos inter nautas interessados no tema. O artigo é de Abril, mas mantém plena actualidade.

Eis alguns excertos:

A Suíça tremula. Zurique alarma-se. Os belos bancos, elegantes, silenciosos de Basileia e Berna estão ofegantes. Poderia dizer-se que eles estão assistindo na penumbra a uma morte ou estão velando um moribundo. Esse moribundo, que talvez acabe mesmo morrendo, é o segredo bancário suíço. (...) O primeiro tiro de advertência veio dos Estados Unidos”. E esclarece o artigo:

A UBS - União de Bancos Suíços, gigantesca instituição bancária suíça - viu-se obrigada a fornecer os nomes de 250 clientes americanos por ela ajudados para defraudar o fisco. O banco protestou, mas os americanos ameaçaram retirar a sua licença nos Estados Unidos. Os suíços, então, passaram os nomes. E a vida bancária foi retomada, tranquilamente...” . E continua:

Mas, o ataque foi retomado. Desta vez os americanos golpearam forte, exigindo que a UBS forneça o nome dos seus 52.000 clientes titulares de contas ilegais (...)”

A Suíça está temerosa” – afirma o articulista - O partido de extrema-direita, UDC (União Democrática do Centro), que detém um terço das cadeiras no Parlamento Federal, propõe que o segredo bancário seja inscrito e ancorado pela Constituição federal. Mas como resistir? A União de Bancos Suíços não pode perder sua licença nos EUA, pois é nesse país que aufere um terço dos seus proveitos...”
(...)
E noutro passo:

E não se trata apenas do UBS. Toda a rede bancária do país funciona da mesma maneira. O historiador suíço Jean Ziegler, que há mais de 30 anos denuncia a imoralidade helvética, estima que os banqueiros do país, amparados no segredo bancário, fazem frutificar três triliões de dólares de fortunas privadas estrangeiras(...)”.

E mais adiante:

O manejo do dinheiro na Suíça, - diz Ziegler- reveste-se de um carácter sacramental. Guardar, recolher, contar, especular e ocultar o dinheiro, são todos actos que se revestem de uma majestade ontológica, que nenhuma palavra deve macular e realizam-se em silêncio e recolhimento...

Onde param as fortunas recolhidas pela Alemanha Nazi? Onde estão as fortunas colossais de ditadores como Mobutu do Zaire, dos Barões da droga Colombiana, Papa-Doc do Haiti, de Mugabe do Zimbabwe e da Mafia Russa?”...

E continua:

Agora surge um outro perigo, depois do duro golpe dos americanos. Na minicimeira europeia que se realizou em Berlim, em preparação ao encontro do G-20 em Londres, França, Alemanha e Inglaterra (o que foi algo inesperado) chegaram a um acordo no sentido de sancionar os paraísos fiscais."Precisamos de uma lista daqueles que recusam a cooperação internacional", vociferou a chanceler Angela Merkel.”

E, a concluir:

Há muito tempo se deseja o fim do segredo bancário. Mas até agora, em razão da prosperidade económica mundial, todas as tentativas eram abortadas.

Hoje, estamos em crise. Viva a crise!(...)

Para muito breve, a queda do império financeiro suíço!...”

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Claro que nós por cá todos bem! Queimam-se, no Parlamento, tempo e dinheiro em inquéritos parlamentares, “desfocados” os parlamentares do essencial, procurando a árvore da supervisão e “escondendo” a floresta dos prevaricadores... E, sobretudo, arrastando-se os senhores deputados em penosas diligências e espúrios compromissos sobre questão do segredo bancário...

Neste contexto, julgo do maior interesse a Petição, promovida pela CGTP, no sentido de obrigar a Assembleia da República a debater e legislar sobre e “eliminação urgente dos paraísos fiscais”.


Subscrever em: Petição

domingo, junho 14, 2009

Feira (internacional) de homens...



"Dimitri enrola o cigarro em movimentos lentos e fuma-o como se aqueles minutos de vício fossem o seu único prazer na vida. Da boca, as baforadas saem-lhe como as palavras: murchas. Há oito anos que o moldavo vem, todos os dias, à “feira de homens” em frente ao estádio do Sporting, no Campo Grande.

É a única maneira de conseguir dinheiro”, justifica.

Desde as cinco e meia da manhã que Dimitri e centenas de imigrantes, legais e ilegais, esperam por um lugar numa das dezenas de carrinhas que estacionam em segunda fila. “Nos últimos dois meses tem sido mais difícil. Não me dão trabalho”, queixa-se.

O imigrante moldavo, que nunca conseguiu obter um contrato de trabalho, não sabe explicar se a culpa é da idade, 50 anos, ou da crise que também bateu à porta do sector da construção civil. “A minha mulher vem visitar-me daqui a uns dias. Não sei o que lhe vou dizer...” Dimitri ficará por ali até às onze horas, ao lado de um grupo de ucranianos e africanos, que lêem os jornais gratuitos para matar o tempo. Nenhum deles irá trabalhar naquele dia. “Somos os excluídos”, vaticina.

Wagner tem mais sorte. Às sete em ponto, o jovem brasileiro entra, cheio de pica, numa Ford Transit cinzenta que o levará para uma obra em Cascais. Traz consigo um saco com o almoço: umas sandes e coca-colas. Foi escolhido há quinze dias para pintar as paredes de uma fábrica, por menos de €5 à hora, durante mais uma semana. “É melhor do que nada”, diz com um sorriso afável da Baía.

O valor não é muito diferente daquele que o indiano Abhay ou o maliano Mohamed vão ganhar. "Há cinco anos pagavam-nos o mesmo. O que vamos fazer? Não temos outro remédio senão aceitar", confessa o trabalhador oriundo do Punjab.

Sentado ao volante de uma das carrinhas, José, um angariador português que transporta um grupo de trabalhadores africanos, garante não lhe faltar mão-de-obra barata, disposta a trabalhar na construção de uma rotunda, em Sintra. “Falam em desemprego mas não vejo portugueses por aqui", ironiza.

A nova lei, que penaliza as empresas pela contratação de imigrantes ilegais (e não os imigrantes, como acontecia no passado), obrigou à mudança de mentalidade em alguns patrões da construção civil. “Os meus trabalhadores têm os papéis em ordem”, assegura Pedro, sem nunca, porém, mostrar qualquer documento.

Na roleta-russa do Campo Grande, pelo menos um quarto dos imigrantes encontra-se em situação ilegal, a acreditar na palavra de angariadores e trabalhadores do local: “São contratados para trabalhar em pequenas obras, como vivendas e jardins, onde é mais difícil a fiscalização das autoridades. E chegam a ganhar apenas entre €3 e €6 por hora”, revelam.

Este mercado de homens, em tudo semelhante às praças da jorna dos anos 60, surgiu há cerca de dez anos, no boom da construção civil. A crise económica não fez desaparecer os grupos de imigrantes, que se juntam entre as seis e as onze da manhã em frente ao antigo bingo do Sporting. “Há para aí muito trabalho”, conta Pedro, um dos poucos portugueses que o Expresso encontrou no Campo Grande.

O jovem oriundo de Chelas, de calças de ganga carregadas de tinta e t-shirt esburacada, diz-se satisfeito com o salário, mesmo que o receba em dinheiro vivo, ao fim de cada dia. Contrato? Não existe. “Tenho tudo controlado. Comigo não fazem farinha”, garante.

Pedro sabe, no entanto, de muitos trabalhadores recrutados para um duro dia de trabalho e que depois “ficam pendurados”. sem receberem qualquer dinheiro. “Há quem se aproveite dos ilegais para os “chular” declara, antes de partir em direcção a uma obra em Loures, sentado, ombro-a-ombro com trabalhadores de várias nacionalidades. Às 18h, irão voltar na mesma carrinha, que os deixará debaixo do viaduto da 2ª Circular.

Pedro é um dos últimos a partir. Pouco antes das dez da manhã, só os mais velhos e os menos corpulentos se encontram no Campo Grande. No grupo de Dimitri, moldavos e malianos já se conformaram com a falta de sorte. “Vou voltar para a minha pensão e dormir um pouco”, diz Dimitri, mandando o cigarro carcomido para o chão..."


Texto HUGO FRANCO - in “Expresso” de 13.06.09

segunda-feira, junho 08, 2009

Que nunca o sonho lhe doa...

Numa entrevista notável de frescura e inteligência, Manoel de Oliveira afirmou, recentemente, na Televisão, que tem a receita para os males do tempo (sobre o que aliás se propõe fazer um novo filme): bastaria que o dinheiro acabasse e que cada um de nós continuasse a desempenhar as suas tarefas (seu “affair”, no delicioso galicismo do cineasta).

Mediante esse golpe de asa, ninguém consumiria mais do que precisava, nem produziria mais que o necessário...

Claro que é uma utopia, como o cineasta reconhece. Mas a afirmação, significativa em diversos planos, produz um efeito inesperado de inverter os cânones e as propostas da “sociedade do espectáculo”, em que a sociedade de consumo e a ideologia que a molda são “encenadas”.

Tanto mais produtiva a afirmação de Manoel de Oliveira, quando provinda de um homem do cinema, actividade que, desde sempre, tem sido pródiga na criação (e também na denúncia) dos mitos da sociedade de consumo, de que o dinheiro é sangue e seiva...

Entendamo-nos. A alienação do modo de produção capitalista e a ideologia do consumo, que é seu reflexo, não se traduzem, hoje em dia, apenas na degradação do “ser” em “ter”, mas num estádio superior que é a degradação do “ter” em “parecer”, particularmente visível no funcionamento da chamada “sociedade do espectáculo”.

A ideia de “sociedade do espectáculo” está geralmente associada à dominância dos órgãos da comunicação social, em particular a televisão no conjunto da sociedade de consumo. Porém, o conceito espelha uma realidade bem mais complexa. Os meios de comunicação, limitam-se a exprimir e a reproduzir o funcionamento da sociedade em que estão inseridos...

Em síntese: tudo o que falta à vida é “compensado” pelo conjunto de representações independentes que é o espectáculo, formado por “celebridades”, sejam elas actores, políticos, desportistas ou outros, que “representam” o sucesso e a alegria de viver, ausente da vida efectiva dos indivíduos comuns, aprisionados na “miséria” dos respectivos papéis sociais.

A “sociedade do espectáculo” é comunicação unilateral - o espectáculo é aquele que fala e os átomos sociais escutam... E a mensagem é clara e sempre a mesma na multiplicidade das suas formas – a incessante justificação da sociedade existente...

Como o dinheiro, o espectáculo é uma forma totalitária. A actividade social é captada pelo espectáculo para servir os seus próprios fins como impulso sem limites de acumulação de valor (dinheiro) e auto reprodução do sistema.

Nada na esfera social lhe é estranho – do urbanismo, à política, às artes e às ciências, os mais secretos desejos e paixões humanas, em toda a parte, a realidade é substituída pela imagem. E, neste processo, a imagem acaba por se tornar realidade...

A produção não contem o mínimo de valor de uso, passando a ser consumida como mercadoria, simplesmente. Não em função de qualquer utilidade, mas por imposição “do espectáculo”, que assim o requer, e de que ninguém quer ficar fora, exibindo ao menos os seus sinais de consumo... E assim, mediante o desejo de frenético consumo, alcançar a promessa de Felicidade...

A mercadoria e o dinheiro atingem, portanto, na “sociedade do espectáculo” o seu máximo esplendor, onde gloriosamente vão desempenhando a sua vocação - matriz de “acumulação de valor”, por um lado, e “reapropriação da substância social perdida” dos indivíduos, alienados nas respectivas relações de produção. As duas faces de Jano em canto de sereia...

Até que um dia, um velho sábio iconoclasta se propõe dinamitar o sistema e acabar com o dinheiro...

Que nunca o sonho lhe doa! Nem a voz...

terça-feira, junho 02, 2009

A última bênção...

A tua bênção, Pai
Antes que as margens se afastem infinitamente
E o rio seja o turbilhão de lava
Frio de nada...

Calo a lágrima
E beijo a terra na ubérrima mão
Do que por ti fomos
E das lonjuras que logramos...

Na flor tatuada dos dias
E na vara do tempo onde gravamos solstícios
E os nomes
E as sombras
Entrelaço a folhagem do carvalho
Em tua fronte
Como templo...

E soletro o frio
E a amargura da Hora
E calo o peito...

E ergo-me
Medianeiro
Encruzilhada de torrentes e dos invisíveis fios
E da seiva que somos...

E evoco os caminhos
E a voz do sangue
E os passos que são
E os passos que se anunciam...

E solto tuas bênçãos
Na carne da minha carne
E no sorriso da criança com teu nome

António.


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Peço compreensão para a minha ausência.

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...