quinta-feira, outubro 30, 2008

A maceração das horas...

Sob os escombros dos impérios a persistência
De dias adiados. Gestos macerados em estridência de bronze
Nos golpes desferidos.

Porém cortinas que incautos tempos
Vão abrindo. Escudos na intermitência dos golpes.
Por agora...

Heróis - dizem-me - estão gastos.
Respiram a poeira das cavalgadas e míticas auroras.
E o acaso dos dias...

No entanto sei que o esplendor das coisas possíveis
E a decantação das horas. E o perfume das madrugadas
Se alimentam desta espera. E desta teimosia.

E deste húmus.

E da fumegante audácia que germina na grandeza
De promessas – enfim! - traídas.

E nestes cardos que os ventos soltam em redemoinho.
Como espinhos...

E sei ainda que lâminas e cânticos se afinam.

E que o abraço escorre nos ombros.
E os pulsos se rasgam. E o sangue lateja.
E que as agruras são semente. E os caminhos se desbravam.

E que as ruas são torpedos quando rios
E flâmulas se incendeiam...

segunda-feira, outubro 27, 2008

A OCDE endoidou?!...

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), em relatório recente, afirma que Portugal é um dos países onde é maior o fosso entre ricos e pobres e garante que, em matéria de desigualdades, ombreamos com os Estados Unidos – haja Deus! - ficando apenas atrás da Turquia e do México. Em alguma coisa o País deveria atingir os lugares cimeiros, não vos parece?...

Há porém, quem diga que este lugar no pódio é uma cabala contra o Governo Sócrates. Outros, mais afoitos, sustentam que se trata de uma maquinação para desacreditar os sucessivos governos PS e PSD – acolitados ou não pelo CDS. - que geriram os destinos nacionais, nos últimos trinta anos. Outros ainda, mais desbragados e mal aconselhados por leituras subversivas, não se coíbem em considerar que as desigualdades económicas e sociais estão inscritas no ADN do sistema capitalista. Gente maldizente, está bem de ver...

Por mim, atrevo-me a afirmar que o senhor Michael Foerster, um dos principais autores do estudo, deve estar ao serviço de qualquer agência do mal, quiçá ser um perigoso terrorista, merecendo aliás ter a cabeça a prémio no glorioso mundo capitalista, onde a justiça social, como se sabe, é um valor inestimável... sempre adiado!

Veja-se o caso de Portugal, por exemplo. Desde o ex-primeiro ministro Cavaco Silva a José Sócrates, recordando Soares e o bloco central, a Aliança Democrática e Sá Carneiro, passando por Durão Barroso, Santana Lopes ou Guterres, em tempos mais recentes, sempre, mas sempre, as políticas seguidas no País visaram a protecção dos mais desfavorecidos, a defesa dos trabalhadores, o progresso social, o crescimento da economia e o desenvolvimento social e cultural do País.

Com enorme sucesso, como se sabe. Por isso, nos encontramos nos primeiros lugares do ranking. Ao lado dos States, ora bem!... E, se ano sim, ano sim, houve sempre que pedir mais e mais sacrifícios aos mais sacrificados foi, naturalmente, para seu bem e porque a “conjuntura” – beatífica palavra! – assim o exigia para conseguir mais e melhor...

Ainda agora o Governo acaba de disponibilizar 20 mil milhões de euros do orçamento do Estado para garantia da saúde financeira dos bancos. Em nome dos supremos interesses nacionais, evidentemente... E o mesmo acontece por essa Europa fora, onde as “terceiras vias” de todos os matizes celebraram, de braço dado com o liberalismo mais desbocado, o “fim da História” e a inequívoca da superioridade moral e material do capitalismo...

E vem agora um senhor Foerster qualquer, saltando do bojo do sistema, a garantir-nos que afinal isto está mal e vai de mal a pior... E que as desigualdades de rendimento são chocantes nos países da OCDE, os mais desenvolvidos do Mundo. Não pode ser! Alguém pode acreditar? Não vivíamos nós no melhor dos reinos?! Aqui anda equívoco, certamente. Ou talvez, prosaicamente, gato escondido com rabo de fora...

De facto, quer parecer-me que, ou a OCDE endoidou - o que de todo não é crível - ou então cumpre bem o seu papel de sempre: dar colorido científico aos ditames da ordem social dominante e assim melhor anestesiar possíveis resistências...

Se não reparem. O mesmo relatório e a mesmíssima OCDE, que zurze as desigualdades é mesma organização que intima os países membros a fazerem “muito mais” para que as pessoas “trabalhem mais”, sem contudo apresentar argumento quanto a uma outra política de salários. Circunstância tanto mais curiosa quanto a organização reconhece que o trabalho não chega para alguém evitar a pobreza, pois que “mais de metade dos pobres pertencem a famílias que recebem fracos rendimentos de actividade”.

Ou muito me engano, ou está encontrada a solução para a “crise” - mais trabalho e menores salários!... Como sempre, em todas as crises do sistema. Esperem-lhe pela volta!...

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1. Ladrões de Bicicletas, com a devida vénia;

2. Uma História Crua - por amável sugestão de Nem tudo o que sobe...

quarta-feira, outubro 22, 2008

São de bruma os tempos...

São de bruma os tempos e de barcos
Destroçados...

A Coruja de Minerva em voo nocturno
Agita-se nos pináculos
E os escravos nas galés embandeiram seus gemidos
Como hinos...

São de bruma estes tempos...
Apocalípticos...

Cães devoram-se nos restos
E os sacerdotes queimam as vestes
E cobrem-se de cinzas
No interior das praças...

E a cidade treme...
São de bruma os tempos!...

Nos céus baralham-se as estrelas
E as bússolas
Rasgam o norte no ventre das pedras
E na sede dos homens
E nas sarças
E no cume das montanhas...

São de bruma os tempos!...

E no olhar azul da criança famélica e nua
E na enxada de esperança
E nas torrentes profundas da memória
E nesta safara...

E no sol encoberto ainda desta aurora
E no vento de todas as profecias
E na insubmissão do grito
E ardor de todas as batalhas.

Planto a dor de minha árvore e minha palavra
Avara...

E a fecunda claridade dos tempos...

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Um breve intervalo. Regresso logo, logo...

Beijos e abraços.

segunda-feira, outubro 20, 2008

O Fim da Utopia?

“(...)Falei de uma possível crise, da eventualidade de uma crise do sistema. As forças que contribuem para essa crise terão que ser primeiramente discutidas de modo lato. Eu penso que esta crise terá que ser vista por nós como a confluência de tendências díspares subjectivas e objectivas, de natureza económica, política e moral (...).

Estas forças ainda não se encontram solidariamente organizadas; existem sem a base das massas nos países desenvolvidos do capitalismo de hoje; também os ghettos nos Estados Unidos da América do Norte se encontram somente ainda num estado inicial de politização experimental.

E, nestas condições, parece-me ser tarefa da oposição trabalhar primeiramente na libertação da consciência (...). Porque, de facto, verifica-se aqui que está em jogo a vida de todos nós e, efectivamente, todos nós somos o que Veblen considerava como underlying population, ou seja, os dominados: despertar a consciência da horrível política de um sistema, cujo poder e cuja força crescem com a ameaça da destruição total e que emprega as forças produtivas, que lhe estão submetidas, para reproduzir a pilhagem e a opressão (...).

A libertação da consciência de que acabo de falar é algo que significa mais do que mera discussão. De facto, significa - e terá que significar quando chegar a esse estado - manifestação no sentido exacto do termo: mostrar que, aqui, o homem total é conduzido e proclama o seu próprio querer perante a vida, ou seja, a sua vontade absoluta de viver num mundo pacificado e humano.

A ordem existente encontra-se mobilizada contra esta possibilidade real. E ,se não é bom possuirmos ilusões, é pelo menos igualmente pouco salutar - e talvez ainda o seja menos - apregoar derrotismo e quietismo que apenas podem ser depostos nas mãos do sistema.

O facto é que nos encontramos perante um sistema que hoje (...) desacreditou a própria ideia do progresso histórico, um sistema cujas contradições e antagonismos internos se têm manifestado sempre e, continuamente, em guerras desumanas e desnecessárias e cuja crescente produtividade não é mais que do que crescente destruição e esbanjamento contínuo.

Um sistema destes não é imune. Ele já se defende repudiando a oposição, inclusivamente a própria oposição dos intelectuais, em todos os pontos do globo. E mesmo que não vejamos ainda nenhuma modificação, teremos que continuar e prosseguir o caminho encetado; teremos que nos opor se ainda quisermos viver como seres humanos, trabalhar e ser felizes como homens.

Em conjunto ou aliados ao sistema já não o podemos, já deixámos de o poder. (...)
As qualidades da liberdade a que aqui me referi são, em minha opinião, qualidades que até agora não chegaram a encontrar expressão adequada no que diz respeito à ideologia do socialismo.

Entre nós, o próprio conceito do socialismo ainda se encontra muito imbuído do ambiente de desenvolvimento das forças de produção e ainda muito activo no que se refere ao aumento da produtividade do trabalho, (...) no qual a ideia do socialismo científico foi desenvolvido, não somente porque teoricamente justificável, como também porque historicamente necessário; mas hoje terá que ser discutido.

Temos, de facto, que procurar discutir, sem qualquer pejo, e definir a diferença qualitativa da sociedade socialista (como sociedade livre) das sociedades actualmente existentes, mesmo que isso possa parecer ridículo. E é exactamente aqui onde procuramos um conceito que possa eventualmente indicar a diferença qualitativa da sociedade socialista que nos surge na nossa consciência, a um tempo espontaneamente, pelo menos a mim, a dimensão estético-erótica.

Aqui o conceito “estético” deve ser tomado no seu sentido básico, como forma da sensibilidade dos sentidos e como forma de vida no mundo. Nesta perspectiva, o conceito projecta a convergência de técnica e arte e a convergência de trabalho e o jogo. (...)

Já dei aqui a indicação de que a teoria critica, que se encontra fiel a Marx, e da qual apenas esboçámos algumas das suas possibilidades mais extremas, terá que receber em si mesma o escândalo da diferenciação qualitativa, se não quiser ficar parada quando do aperfeiçoamento do mal existente (...).

E, exactamente, em virtude das possibilidades utópicas não serem nada utópicas, mas representarem a exacta negação histórico-social do existente, a consciencialização destas possibilidades (...) requer que de nossa parte haja uma oposição ao sistema muito pragmática e muito realista.

Uma oposição que seja isenta de todas as ilusões, mas igualmente livre de todos os derrotismos, cuja mera existência já seria como que uma traição à possibilidade da liberdade..."


Herbert Marcuse – in “O Fim da Utopia” - Moraes Editores – Col. “O Tempo e o Modo”

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Mas porque me lembrei deste livrinho, "velho" de mais de quarenta anos?!...
Ficam a ganhar, (re)lendo-o. Hoje.

Beijos e abraços

sexta-feira, outubro 17, 2008

Direito ao Trabalho, Direito Fundamental...

Como se sabe a Declaração Universal do Direitos Fundamentais do Homem, foi proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948. A Declaração surgiu como alerta à consciência mundial contra as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial.

Desta forma, a Declaração inscreveu-se no acto fundador da ONU e nos objectivos de Paz e boa convivência entre as diferentes nações, credos, raças, ideologias, etc. E, nesta perspectiva, a Declaração Universal dos Direitos do Homem enuncia os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais de que devem gozar todos os seres humanos, sem discriminação de raça, sexo, nacionalidade, ou de qualquer outro tipo.

A noção de direitos humanos foi, entretanto, aprofundada, no decurso da segunda metade do século XX, alargando-se o conceito, sob a inspiração dos temas da Revolução Francesa e impulso da Revolução de Outubro, a três gerações de direitos fundamentais: a primeira geração refere-se aos direitos civis e políticos, fundados no ideal de liberdade (liberté); a segunda geração, diz respeito aos direitos económicos, sociais e culturais, com base no ideal de igualdade (egalité); por fim, a terceira geração, refere-se aos direitos de solidariedade, em especial ao direito à Paz e ao desenvolvimento, ao direito a ambiente sadio, entre outros, coroando-se, desta forma, a tríade de direitos fundamentais, sob o ideal de fraternidade (fraternité).

Decorre, portanto, que estas três instâncias de direitos fundamentais têm a mesma génese e a mesma matriz libertadora e que, no seu conjunto, representam um avanço político e social inquestionável, cuja realização constitui a “pedra de toque” da democraticidade de qualquer sistema político. Contudo, apesar de todos os Estados-membros da ONU serem signatários da Declaração, muitos são os que, comprovadamente, continuam a não respeitar os seus princípios.

Em Portugal, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem foi apenas subscrita em 9 de Março de 1978, na sequência da promulgação da Constituição da República que emerge da Revolução do 25 de Abril. Dando expressão aos ideais libertadores de Abril, a Constituição da República Portuguesa consagra os direitos fundamentais do homem em todas as suas vertentes – direitos políticos, direitos económicos e sociais e direitos culturais e ambientais – que, no plano jurídico-institucional, fazem dela um valioso instrumento de progresso político e social, apesar das restrições que foram introduzidas nas revisões constitucionais subsequentes, especialmente, nos direitos de egalité, ou de segunda geração.

Não cabe aqui o balanço dessas revisões constitucionais. Mas faz todo o sentido afirmar que a restrição aos direitos fundamentais foi acompanhada (ou consequência) da viragem à direita da sociedade portuguesa, a partir do final dos anos 70, de que o Partido Socialista foi cúmplice, senão mesmo agente empenhado.

Seja como for, a 10 de Dezembro, celebra-se o 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Certamente a efeméride não passará despercebida nas instâncias internacionais, nomeadamente, no âmbito das Nações Unidas e do Conselho da Europa. Também a Associação Internacional de Juristas Democratas (AIJD) organiza uma Conferência Internacional em 11 e 12 de Dezembro, em Paris, no qual se irá debater “A invisibilidade dos direitos do homem – incluindo os direitos económicos, sociais e culturais, designadamente, os direitos à Paz e ao Desenvolvimento”, com a qual me sinto particularmente solidário.

Entretanto, por cá, a ordem comunicacional dominante irá, previsivelmente, ignorar a efeméride. Esta ou qualquer outra. Cumprirá com zelo o seu papel de anestesiar a sociedade portuguesa. O que é pena, pois não faltam motivos de preocupação quanto aos os direitos fundamentais do homem, para além das liberdades cívicas, que ninguém contesta.

Querem melhor exemplo? Atentem na nova legislação de trabalho. Na sociedade actual, o trabalho é o único meio digno de vida da esmagadora maioria das pessoas, pelo que permitir que alguém possa, sem um motivo forte, privar outrem deste bem tão essencial é um verdadeiro atentado a um direito humano fundamental. Como a nova legislação de trabalho permite e potencia...

Quem o afirma é o professor Jorge Leite em entrevista ao jornal “Público” de 17.1008 para depois acrescentar que (...) “as instâncias internacionais têm-se preocupado com este problema (dos despedimentos sem justa causa), designadamente, com as chamadas "saídas negociadas", que encobrem verdadeiros despedimentos, muitas vezes sem motivo legítimo; ou com as “comissões de serviço”, ou com o “período de experiência” e com essa estranha figura da “caducidade”(...),atrás da qual se escondem verdadeiros despedimentos.

Não foi por má vontade que o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia condenou Portugal por insuficiente transposição da directiva sobre despedimentos colectivos. E tudo continua a passar-se como se nada tivesse acontecido"
...”

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Bom fim-de-semana.

quinta-feira, outubro 16, 2008

Prémio Dardos



Recebeu este blog a distinção do "Prémio Dardos", que muito me honra pela natureza do prémio, mas sobretudo, pelas mãos de quem foi recebido, pessoas que muito considero e respeito e cuja qualidade dos respectivos blogs muito admiro.

Agradeço, por isso, a consideração e amizade de:

as sombras ao fim do dia

vemos, ouvimos e lemos

linha de cabotagem

ermit@

bons tempos hein?!

casa de maio

daquemdalemmar

tempo entre Os Tempos

Sobre o Prémio Dardos:

Conforme consta das diversas propostas, o “Prémio Dardos” pretende reconhecer os valores culturais, éticos, literários e pessoais, que cada blog encerra e que, consequentemente, procura transmitir; ou seja, ao mesmo tempo que promove a amizade e o convívio entre os diversos editores de blogs, procura estimular um pensamento vivo e actuante, mediante a utilização responsável deste maravilhoso meio de comunicação e expressão criativa que é a Web.

Quem recebe o “Prémio Dardos” e o aceita "obriga-se" a algumas regras:

1. - Exibir a imagem ou selo do prémio;
2. - Linkar o(s) blog(s) pelo qual recebeu o prémio;
3. - Escolher quinze (15) outros blogs a quem “passar” o prémio.

Confesso a minha dificuladade em cumprir a última regra, pelas seguintes razões:

1 - Muitos dos blogs que vejo citados com a atribuição seriam, sem dúvida, também escolhas minhas, o que redundaria em desnecessário círculo vicioso;
2 - São muitos os blogs que julgo merecerem a distinção e que acabarão certamente por ser citados, sem embaraço de escolha minha e, certamente, com mais critério na menção.

Peço desculpa por "subverter" as regras. Mas que outra coisa esperar de um "herético"?!... rss

Beijos e abraços.

segunda-feira, outubro 13, 2008

Vôo de Tejo sem asas...

Vôo de Tejo sem asas. Nem de velas.
Nem de partidas. Ou de mil desmedidas
Chegadas...

É de névoa o horizonte em que me despenho...

Ousamos o que sabemos nos passos
Que não damos. E ficamos...

Não mais Pirâmedes
Corroídas. Areias do deserto.
Vento suão de mil enganos.
Não mais Nilos...

Quem de Helena, tróias?!
Quem tece o rosto de Penélope
Em meus dedos?

Que romanos, que glórias?
Que Cervantes? que mistérios?
Que Machados? que Castelas?
Que sêdes de mil anos?

Torrentes de água pura
Nerudas. Índios. Neves de montanhas.
Meu sangue fervendo no gelo das estepes...

Quem me arde nesta dor?
Que sal? Que mar? Que guindastes? Que pimentas?
Que Bandarras? Que poetas?
Que Vieiras?

Camões de luto. Jangadas. Capelas imperfeitas
e Pessoa no proscénio...

não mais heróis
não mais ilhas
nem míticas profecias...

E no entanto este Povo
Este olhar desamparado que queima em cada gesto

E este fado. E este fardo...

sexta-feira, outubro 10, 2008

Confesso, eu sou culpado! (mas renego)

Confesso, sou Eu o culpado! Não ter rias – tu também és culpado!... Culpados todos Nós - sujeitos e objectos da sociedade capitalista - interpelados a todo o momento para a liturgia do consumo, na publicidade, na moda e nos modelos sociais.

Somos todos culpados os que ajoelhamos livremente perante o deus-consumo. Somos culpados de habitar uma casa nas margens suburbanas, ou de nos termos atrevido a uma segunda habitação; somos culpados da festarola por ocasião do casamento da filha, com vestido branco e dezenas de convidados; somos culpados pelos diazitos de férias fora das fronteiras com que a “cara-metade” há tanto tempo sonhava; somos culpados pela troca do velho “Fiat”; somos culpados pelo frigorífico e pelo plasma; somos culpados pela consola dos filhos; somos culpados pelos "ténis" da menina; somos culpados, de vez em quando, pelo jantarzito, fora de portas, com a família. Somos culpados pelas promessas celestiais do capitalismo triunfante e pelo bem-estar eterno das delícias do consumo. Somos culpados pois nos endividamos e perturbamos, com a nossa incúria, a ordem pré-estabelecida do “fim da História”...

Esta a “oração” que, subliminarmente, é introduzida no discurso dominante. Para que Tu e Eu nos penitenciemos. Para que Tu e Eu continuemos confiantes. Para que Tu e Eu tenhamos a certeza que o sistema encontrará a soluções para a crise. E que a nossa segurança – pois não nos foi anunciado que podemos estar descansados com os “nossos”(?) depósitos? - passará incólume a crise. E que os oficiantes do sistema – pobres de nós! – aplacarão a ira dos deuses e a vida retomará o seu percurso “natural”...

Para que todos nós digamos eternamente – “Amén!...”

Porém, eu renego! E, como "mau sujeito", hereticamente deixo-vos para reflexão as palavras sábias de um velho filósofo, em vários aspectos considerado "maldito".
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A garantia absoluta de que tudo está bem assim é a condição de os sujeitos reconhecerem o que eles são e de se conduzirem em consequência e tudo correrá bem: “Assim seja!...”

Resultado: Encerrados neste quádruplo sistema – de interpelação como sujeitos, de submissão ao Sujeito, de reconhecimento universal e de garantia absoluta, - os sujeitos “andam”, “andam sozinhos” na imensa maioria dos casos, com excepção dos “maus sujeitos”, que provocam a intervenção, deste ou daquele destacamento de aparelho (repressivo) de Estado.

Mas a imensa maioria dos (bons) sujeitos, anda bem “sozinha”, isto é, pela ideologia (...). Inserem-se nas suas práticas, regidas, pelos rituais dos Aparelhos ideológicos. E pela ideologia “reconhecem” o estado de coisas existente, de que “a verdade que é assim e não de outra maneira” de que é preciso obedecer a Deus, à voz da consciência, ao padre, ao patrão, ao engenheiro, a De Gaulle, (a Sócrates acrescento de minha lavra) que é “preciso amar o próximo como a si mesmo”, etc. A conduta concreta material desta maioria não é mais do que a inscrição na vida das admiráveis palavras da sua oração: “Assim seja!”.

Sim, os sujeitos “andam sozinhos”, quer dizer, “pelo seu próprio pé”. Todo o mistério deste efeito está nos dois primeiros momentos do quádruplo sistema que acabamos de falar, ou se preferirmos, na ambiguidade do termo sujeito. Na acepção corrente do termo significa de facto: 1) uma subjectividade livre: um centro de iniciativas, autor e responsável de seus actos; 2) um ser submetido, sujeito de uma autoridade superior, portanto desprovido de toda a liberdade, salvo a de aceitar livremente a sua submissão.

Esta última reflexão dá-nos o sentido desta ambiguidade, que reflecte apenas o efeito que a produz: o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta livremente as ordens do Sujeito, portanto para que aceite (livremente) a sua sujeição, portanto, para que “realize sozinho” os gestos e os actos da sua sujeição. Só existem sujeitos para e pela sua sujeição. É por isso que “andam sozinhos”...

Assim seja!” ... Esta expressão que regista efeito a obter, prova que não é “naturalmente” assim. Esta expressão prova que é preciso que seja assim, para que as coisas sejam o que devem ser: para que a reprodução das relações de produção seja, até nos processos de produção e de circulação, assegurada, dia após dia, na “consciência”, isto é, no comportamento os indivíduos-sujeitos, que ocupam os postos que a divisão técnica do trabalho lhes atribui na produção, na exploração, na repressão, na ideologização, na prática científica, etc.

De facto, o que está por detrás deste mecanismo de reconhecimento especular do Sujeito e dos indivíduos interpelados como sujeito e da garantia dada pelo Sujeito aos sujeitos se estes aceitarem livremente a sua sujeição às “ordens” do Sujeito? A realidade presente neste mecanismo, a que é necessariamente desconhecida nas próprias formas de reconhecimento (ideologia = reconhecimento/desconhecimento), é efectivamente, em última análise a reprodução das relações de produção e das relações que delas derivam...”



Louis Althusser – in “Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado” – Editorial Presença – Biblioteca das Ciências Humanas.

terça-feira, outubro 07, 2008

Em demanda do futuro...

Como se sabe, Marx foi um agudo e incansável investigador, que compreendeu e analisou melhor que ninguém, o desenvolvimento capitalista à escala mundial. Ele percebeu que uma economia internacional globalizada era inerente ao modo de produção capitalista e predisse que esse processo engendraria não apenas crescimento e prosperidade, alardeada por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises económicas e injustiça social generalizada.

Em virtude dos últimos acontecimentos e da crise financeira desencadeada no mundo capitalista, a partir de Wall Street, que vêm mostrar a actualidade e, porventura, a dar novo impulso ao pensamento de Karl Marx, o professor Eric J. Hobsbawm foi entrevistado por Marcello Musto para a revista em castelhano, publicada on line, Sin Permiso - Republica y Socialismo también para el siglo Séc. XXI”. A entrevista pode ser lida integralmente em
La crisis del capitalismo, da qual se apresentam alguns excertos:

“A política de esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como foram os velhos movimentos socialista e comunistas(...) Na realidade, a recuperação do interesse de Marx está consideravelmente – diria principalmente - baseado na actual crise da sociedade capitalista (...). A presente crise financeira mundial, que pode bem transformar-se numa maior depressão económica nos Estados Unidos, dramatiza o fracasso da teologia do mercado livre global incontrolado e obriga, inclusive o Governo norte americano a optar por acções públicas, esquecidas desde os anos trinta.

Qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx do capitalismo e o seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo sobretudo as suas análises de instabilidade central do desenvolvimento capitalista que precede, mediante as crises económicas auto geradas, as dimensões políticas e sociais”


Sobre as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que renunciaram às ideias de Marx, Eric Hobsbawm é peremptório e afirma:

Nenhum socialista pode renunciar às ideias de Marx, não tanto por crença de que o capitalismo deverá ser substituído por outra forma de sociedade, ou como esperança ou vontade que assim seja, mas pela análise fecunda do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista.(...)

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até seja entendido que os seus escritos não devem ser considerados autoritariamente como programas políticos, (...) mas como guia para perceber a natureza do desenvolvimento capitalista.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência actual dos activistas radicais em converter o anti capitalismo em anti-globalismo seja abandonada. A globalização existe e é irreversível. Com efeito, Marx reconheceu-o como um facto e, como internacionalista, lhe deu teoricamente as boas vindas. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.
(...)

Para qualquer interessado nas ideias de Marx, é manifesto que Marx é e permanecerá como uma das mentes filosóficas mais poderosas do século XIX e analista económico, na sua máxima expressão. É importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode entender-se sem a influência que os escritos deste homem tiveram no século XX. E, finalmente, Marx deveria ser lido porque - ele próprio o escreveu - o mundo não pode ser mudado a menos que seja compreendido; e, neste contexto Marx permanece como um soberano guia para a compreensão do mundo e os problemas a que temos de fazer frente”.

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Eric Hobsbawm é um dos maiores historiadores da actualidade. Presidente do Birkbeck College (London University), é também professor emérito da New School for Social Research (New York).

Entre os seus múltiplos trabalhos encontra-se a conhecida trilogia acerca do “grande século XIX” – “The Age of Revolution”: Europe 1789-1848 (1962); “The Age of Capital”: 1848-1874 (1975); “The Age of Empire”: 1875-1914 (1987), traduzidos e publicados em vários idiomas, entre os quais em português, pela Editorial Presença.

sexta-feira, outubro 03, 2008

Rumor da língua...

Sou pedra e água. Ou talvez o rumor da língua
Na escalada da palavra. Catedrais apenas visíveis
Na inocência dos sentidos. Ou nos silêncios
Sinfónicos de nada.

Claro-escuro de mim em cada sílaba. Vendavais
Que buscam apenas o pretexto e a tempestade
No rosto inocente das palavras por dizer.
E assim me espraio.

Inaudíveis estes sons de um canto impuro
Que se esfuma em mistério
Como o decair da tarde ou o zénite de sol
Ou o gosto acre da terra depois da chuva...

Agarro-me à solicitude das palavras
Em que órfão mergulho. Quais reflexos doirados
Alimentando-se das entranhas do vento
Sem outra glória que não seja a emoção alada
E o fio ténue que as segura...

Estou salvo.

Seminais estas veredas em que me digo.


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Bom fim de semana. Beijos e abraços...

Sem Pena ou Magoa

  Lonjuras e murmúrios de água E o cântico que se escoa pelo vale E se prolonga no eco evanescente…     Vens assim inesperada me...