domingo, junho 22, 2008

A pedra no sapato do meu amigo Zeca...

Como bem sabem, o meu amigo Zeca, alentejano de Beja, economista do Quelhas, como faz questão acentuar, não vão confundi-lo com algum desses gestores de aviário de uma qualquer faculdade privada, tem sobre o belo sexo um fascínio arrasador. As mulheres, para o meu amigo Zeca, são (têm sido) um permanente assobio na sua farta bigodaça...

É verdade que, dobrados os cinquenta, o Zeca começa dar sinais de soçobrar. A Mitó, desde o recente jantar com o Zeca, lá em casa, vai confidenciando “coisas” à minha mulher e há indícios de que o meu amigo se “rendeu”, finalmente. “Sic transit gloria mundi...” - digo eu para os meus botões, perante a beatífica esperança e o exaltante “oxalá” da minha companheira...

Outro sintoma é o cada vez mais apurado gosto do Zeca pela cozinha. É verdade que sempre o Zeca caprichou numas belas migas alentejanas, um prato de caça, ou uma sapientíssima sopa de cação. Mas ultimamente exagera. Está a tentar – imaginem! - escrever um livro sobre a cozinha tradicional portuguesa. Cujos testes práticos, vai compartilhando com os amigos, no seu belo apartamento debruçado sobre o Tejo.

Nessas ocasiões, esgotados os temas de futebol e da política, os feitos do Zeca com as mulheres, são o prato forte das conversas, por entre gargalhadas, libações e o fumo de charutos.

Recentemente, o Xico Mariazinha, (o “betinho” do grupo), por certo ainda ressabiado de uma estória de saias, que um dia contarei, picou o Zeca:

- “ Ó Zeca, afinal porque é que te negas a falar da Madame X (chamemos-lhes assim por conveniência) e do teu despedimento?! ... Ainda não engoliste essa, pá. Mas olha que já era tempo...”

O Zeca estivera mesmo à beira de “ter uma vida boa”, não fora o caso da Madame X, uma mulher “que andava a pedi-las” (Zeca dixit), esposa do administrador da empresa pública, onde o Zeca era assessor.

E enquanto nós víamos sangue, ou no mínimo, uma cena de pugilato na sala do Conselho de Administração, o Zeca confiava, maduramente, os bigodes. E, finalmente, decidiu-se:

- “ Está bem. É tempo de encerrar o assunto. Pelo menos vocês deixarão de me chatear...”

E contou!...

O caso resume-se ao seguinte. Por motivo de uma reunião inadiável com uns estrangeiros quaisquer, o administrador pediu-lhe, um dia, para ir esperar a mãe, senhora de província (e vagamente aparentada com o Zeca) que chegava para uma vista e para uns exames médicos!... “Serias a única pessoa a quem eu poderia confiar a minha mãe” – garantiu-lhe o administrador.

O Zeca, pelas razões consabidas, tinha todas as razões para desejar as boas graças do administrador. Foi, portanto, fazer o frete...

A velha senhora, cansada da viagem, mal entrou no automóvel, descalçou-se. Coisa que passou despercebida ao Zeca. Os sapatos novos, libertos do aperto dos joanetes, abalançaram-se, com as travagens e balanços do trânsito da capital, em circuito turístico dentro do automóvel. Com a total indiferença da velha, que adormecera...

Num sinal vermelho, o Zeca deu por conta de um sapato feminino, solto, por baixo do banco dianteiro ... Pensou rápido. Antes de partir ao encontro da velha, estivera com Madame X, dentro do automóvel, na garagem do prédio, onde por um triz não foram descobertos, em lascivas carícias. Madame X saiu precipitada pelo elevador e o Zeca arrancou que nem uma bala...

O sapato só podia, pois, ser de Madame X, caído na precipitação da fuga. Estaria desgraçado – suava o Zeca tormentos! - se a velha reconhecesse o sapato, corpo de delito dos seus amores com a nora. E se bem pensou, melhor o fez: o Zeca atirou o sapato pela janela carro, desfazendo-se, com arte, da prova do crime...

Imaginem o resto. A velha, chegada a casa, debulhada em lágrimas e a entrar ao pé-coxinho, no solícito ombro da nora. Tal enxovalho apenas poderia ser redimido com sangue. Ou no mínimo com a cabeça do Zeca:

- “Despede-o. Com urgência!...” - intimou a velha, contando ao filho...

Que pode um filho, perante uma exigência desse tamanho?!... O Administrador despediu-o, claro...

E, assim, se perdem boas vidas e os talentos deste País.

O Zeca não merecia...


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Divirtam-se! Bom fim de samana...

27 comentários:

mdsol disse...

Trocaste a história, ou ...?
Esta que deixas aqui, embora eu já a conhecesse com outros contornos e mais encurtada em forma de anedota, não deixou de me fazer sorrir novamente. Sempre com o dom da escrita, da boa escrita!

Mel de Carvalho disse...

"E, assim, se perdem boas vidas e os talentos deste País.

O Zeca não merecia..."

Na verdade. O que eu “chorei” perante tamanha aviltação aos códigos elementares do direito do trabalho. Não seria caso para sindicalistas resolverem na barra do tribunal? Com prova crime e tudo ...

Esta coisa absurda de se misturarem esferas públicas e privadas, de se confundirem artes de bem servir a nação pátria e artes de bem servir a "obsessão de e pelas saias", tem que ser legislada sem demora. Pena capital é o que se impõe a caçadores de sapatinhos de Cinderela... pois então! Despedimento? É pouca “cousa”, sei lá, digo eu …

Caríssimo Herético, a sua escrita é sem dúvida, muitíssimo boa.

Melhores cumprimentos e vá-nos dando conta deste mundo singular dos "afectos e (des)afectos dos nossos políticos e afins...

Mel

M. disse...

Delicioso.

Jorge Castro (OrCa) disse...

Chamasse-se esse administrador Bush e vá lá saber-se se o bom do Zeca não iria bater com os costados em Guantanamo, digo eu, para aqui num processo de fusão entre direitos humanos e desumanos...

Ou uma nova historinha de sapato de Cinderela em que a variante mais flagrante é a transformação em abóbora da cabeça do Zeca ao sofrer a penalização moralista, porque incongruente, apesar de incontestável.

Mas não se falará aqui de pés, que me recordam ronaldices...

Um abraço.

~pi disse...

pedras : nos sapatos e

na sopa:

[ esta

desconhecia! :)





~

Justine disse...

Esta é uma velha história tradicional portuguesa!
Ficou por contar o sucesso do Zeca com o livro sobre a cozinha tradicional portuguesa...

éme. disse...

Estas histórias são magníficas!!
Um amigo assim é um manancial de bem passadas noitadas de conversa!
:)
E é preciso ter pouca sorte, a velha senhora é que devia ter sido "despedida"! então como é, descalçar-se assim não fica nada bem!

Graça Pires disse...

Deliciosa a história... Neste caso é o sapato na pedra.
Um abraço.

Anónimo disse...

Salvé!
Ainda esta história não tinha acabado eu já não aguentava de tanto rir. É que o sapato e as carícias (delito) são coisas de história de Cinderelas...embora eu enquanto fui afecta ao Estado, assisti a coisas do arco da velha de tantos Ministros e Secretários de Estado que passaram por aquela casa...e por mim - salvo seja!
Um dia um deles tentou "oferecer-me" um processo disciplinar pelo que eu teria sem querer, preenciado e calcule-se: o precesso foi arquivado por falta de matéria.As razões que o dito apresentou não eram sustentáveis, ou sequer passiveis de me ter colocado sob suspensão ou fora da função pública até.
O mais curioso é que o Governo caíu poucos meses depois e eu ri-me quando ele - o Sr. Ministro, com a devida vénia - reuniu todos os elementos do seu stuf para apresentar as despedidas. Só pude dizer que lamentava, mas a vida tinha destas coisas...ele caíra da cadeira e eu ficava! - e disse isto, porque nunca fui de confianças partidárias, ou de posições na horizontal...ou como se imagine, ou sequer tinha um amigo, do outro amigo que devia um favor ao outro amigo - tipo anúncio antigo do Porto Ferreira - ou ainda, e embora tivesse gente de família em diversos lugares chave, nunca fiz alarde, nem autorizei sequer que algum deles, se intrometesse na minha vida. Por isso todas as hipotéticas suspeitas sobre algo que eu fizese ou dissesse em abono da verdade ou do meu espírito atrevido - que não malandro... do tipo xico-espertismo - caíam por base. Mas se eu contasse ...(não é assim que começa uma canção qualquer)?

Até sempre Eretico

MAriz

Maria P. disse...

Não merecia...
:)


Beijinho*

luis lourenço disse...

Meu caro herético!

Tão interessante, tão bem escrita e tão bem humorada...que no desenlaçe da crónica não pude deixar de lhe achar piada...chave da história?

Abraços

Isamar disse...

Uma história de saias com sapato e à mistura. Bem escrita, para degustar como se de um bom petisco se tratasse, mas " mal contada". Despedido por isto? Por causa de um sapato da mamã? Ou teria mesmo por causa de relação adúltera?
Uma ou outra, tanto faz para quem lê. Ao certo, mesmo, está a escrita escorreita de quem faz um post destes.
Quanto ao bigode parece-me que a palavra correcta é " cofiava".
Continua, amigo, a deliciar-nos com a tua escrita.

Tem uma boa semana!

Beijo

Isamar disse...

Leia-se " Ou teria sido mesmo por causa de relação adúltera?"

Beijo

isabel mendes ferreira disse...

parágrafo.




. que a vida também é feita deles.



.

Anónimo disse...

mas merecemos nós ler-te, querido herético :) gostei do sentido de humor. um grande beijinho.

Maria Laura disse...

Realmente, perder um cargo desses (isso é que é "vida boa") por um erro compreensível mas sem possibilidade de explicação, é triste. Tenho pena do Zeca. Sinceramente. :)

dona tela disse...

Quer espreitar o projecto do meu novo "profile"?

Muito obrigada, mais uma vez.

Eme disse...

Que belo pedaço de amante ele se saiu. um bom amante repararia nos sapatos da senhora antes de depois. aliás não é suposto (eles)ligarem a esses pormenores?

quando se pensa só em salvar o coiro a razão vai-se


sorrisos

um beijo

Mar Arável disse...

Bela sopa da pedra

no sapato



Como sempre escrita
saborosa.
Abraço.

mariam [Maria Martins] disse...

diverti-me...sim!

esse seu amigo Zeca... ui ui é "maganão" mesmo! tadinha da Mitó!

boa semana
um sorriso :)

jrd disse...

Excelente e bem contada historia. Um divertimento saboroso.

mundo azul disse...

...coitado! E não merecia, mesmo!
Gostei do seu texto...
Beijos de luz!!!

Unknown disse...

Este Zeca já apareceu mais vezes, que eu lembro-me!
.
Também fiquei curiosa quanto ao projecto do livro de culinária.
.
Ou será "livro de petiscos"?
.
[Beijo...]

jawaa disse...

Pera lá... o sapato era da «velha»?
Só assim entendo o despedimento!
Depois de ler esta escrita - saborosa sem dúvida! - queria responder-te que, no início da descida para os 70... calor, precisa-se...não se tem.
Essa de
«quem ao teu lado 60
não 70 com mais nada»
já não tem jeito.
Um abraço

GP disse...

A personagem do Zeca é bem gira. Pelo menos o desfecho da história do sapato permite-lhe ter mais tempo para aprimorar o livro dos petiscos...

Gostei

bettips disse...

... eu pensei que a santa senhora, com o pé descalço, fosse acariciando o banco do chauffeur...
Uma rica história mas há quem seja despedido por muito menos! E estava eu a dizer que queria "estar, descalça", no dia do solstício, bolas!!!
É verdade, viram-se para os "tachos" mais aconchegantes que as donas sem dono: fez bem o Zeca, sempre usa mais a imaginação.
Abçs

Paula Raposo disse...

Não tinha lido. Achei uma delícia...

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