Confesso a minha dificuldade em continuar a bater na criatura, isto é, a escrever sobre o Governo de José Sócrates. Não por qualquer animosidade contra o primeiro-ministro e, muito menos, por falta de matéria. Porém, considero que o Governo e o partido de que emana atingiram o "grau zero” da política. Interrogo-me, por isso, se valerá a pena gastar mais cera, ou dito de outra forma, se não valeria mais gastar as células cinzentas (ou o que delas resta) para matérias mais gratificantes. Escrever poemas para gozo próprio, por exemplo...
Mas, por vezes, surgem, na estreita galáxia política em que vegetamos, um ou outro comportamento, uma ou outra palavra, que, por insuspeitos e inesperados, iluminam, esplendorosamente, as pobres sentenças, que sobre Sócrates e o seu Governo possamos proferir, ou tenhamos proferido. Ora, atentem nas doutas e sábias palavras do Presidente do Partido Socialista, Dr. Almeida Santos, em recente entrevista ao Diário de Notícias...
Passo em claro os elogios a José Socrátes e ao seu Governo. De facto, embora me pareça que a força de tais encómios não seria desdenhada, como culto de personalidade, por um qualquer candidato a Kim Il Sung, (de má memória), não é de todo expectável que o Dr. Almeida Santos fale mal do Governo e do seu primeiro-ministro.
Porém – reconheçam! – é bem eloquente que um distinto jurista afirme, sem rebuço, que “a Constituição é uma coisa, mas as suas possibilidades (...) é outra...”, ou que o Presidente do Partido Socialista garanta que o seu partido, “não é fiel à sua matriz” (...), pois que “a matriz esgotou-se...”. Ou que o mesmíssimo Dr. Almeida Santos afirme que “estamos prisioneiros da União Europeia (...) e dos Governos, nomeadamente, dos Estados Unidos, que mandam no mundo...”.
Claro que, por entre o diáfano véu destas palavras, perpassa o perfume dos interesses que dominam a política doméstica e lhe definem os contornos. Tantas vezes em escritórios de advogados famosos...
Querem melhor prova de que o PS, ostentando a honrada sigla socialista, de punho erguido e rosa escarlate, bateu no fundo?!...Querem síntese mais esclarecedora? Querem mais clara confissão, pela voz autorizada do seu presidente, de que o PS baqueou, completamente. Querem melhor evidência da rendição do Partido Socialista às políticas de direita e aos interesses económicos dominantes da política mundial?!...
Não vos peço que acreditem em mim, ou naqueles que nas ruas, aos milhares, protestam e gritam que os velhos odres se encontram esfarrapados. E que a mistela, que se pretende impingir como o vinho da modernidade socialista não passa de uma mistificação. Mas, por favor, peço-vos que acreditem na palavra ilustre do Presidente do Partido Socialista, Dr. Almeida Santos!...
Perante esta realidade que importância tem o cigarro aceso do senhor primeiro-ministro, entre as cortinas (in)discretas de um avião de passageiros?!... É “só fumaça e o Povo é sereno”, como dizia o outro, que Deus tenha. O grande líder já pediu desculpa e prometeu que nunca mais iria fumar. E nós desculpamos, está claro!...
Mas importa, apesar dos brandos costumes, não deixar que a árvore esconda a floresta...
Ou seja. A comunicação social e quem nela manda, não podendo ridicularizar Hugo Chávez, face aos interesses em presença na visita do primeiro-ministro à Venezuela e tendo que apresentar serviço, virou-se para o elo mais fraco – ou seja, Sócrates!... E todos, jornalistas e Governo terão ficado felizes, pois que o fait divers teve a vantagem suplementar de, por momentos que seja, fazer esquecer brutais e indignas propostas do novo Código do Trabalho e os protestos que se avizinham...
Persiste, no entanto, um probleminha, que anda a formigar comigo. É o à vontade do primeiro-ministro ao justificar a sua atitude de mau fumador (mau pagador de promessas eleitorais sabíamos que era) com a falta de conhecimento concreto do teor da lei antitabagismo, que o seu governo propôs e fez aprovar.
Claro que o Eng.º Sócrates está mais vocacionado para “inglês técnico” do que para o latim. Magnífica ocasião para o Dr. Almeida Santos, que sabe latim e toca guitarra, lembrar ao primeiro-ministro de Portugal que “scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac protestam”, o que, na língua de Camões, significa “conhecer as leis não é fixar as suas palavras, mas a sua força e o seu poder...”. Que a todos obriga, como os romanos também ensinaram...
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Bom fim de semana...